segunda-feira, 16 de março de 2009

O VAPOR - RIBEIRA DE ST. LUZIA

O “VAPOR”

Nasci mulher e fui projectada para a luz pelas entranhas da terra, qual bebé escorregadio a sair do ventre materno; meu caudal é enriquecido por algumas pequenas levadas que se juntam a mim e, assim acompanhada, corro ao eterno encontro com o mar. Chamo-me Luzia porque banho a encosta da igreja do mesmo nome.O tempo não me marca distingo-o pela chuva, pela cor, pelo sol. Ao meu redor, aqui os verdes tenros das ervas singelas entram em rivalidade com o verde prateado das folhas dos eucaliptos ali, e com os verdes sisudos de uma nespereira que espontaneamente nasceu além, aproveitando um pouco de terra entre as pedras do meu leito. Não posso deter-me a apreciar a sua beleza pois o mar espera-me sempre com ansiedade.A minha água canta a saltar de pedra em pedra respingando gotas que são logo devoradas pelo sol. Aqui, uma pedra grande obriga-me a desviar, ali um pequenino promontório obriga-me a fazer cintura na minha descida, além grandes pedras que outrora as lavadeiras cobriam de roupa para secar. Aqui, uma aboboreira atrevida espreguiça-se com volúpia oferecendo descaradamente as suas flores amarelas hoje, aboborinhas amanhã, ali os gatinhos de uma ninhada brincam felizes sem desconfiarem do caudal do inverno que os irá tragar, além tufos de chapéus de feiticeira balouçam-se descontraidamente, embalados pelo vento.O meu deslizar constante aproxima-me da Ponte do Torreão e aí meu líquido coração liquefaz-se ainda mais cheio de saudades do “Vapor” e seus habitantes. Margem da ribeira? O seu corredor estreito, a cor vermelha com que foi pintado, dava-lhe o aspecto de casco de navio e, fosse por essa razão ou pelo seu formato esguio, certo é que todos lhe chamavam “Vapor”.Como recheio, um catre de ferro coberto com um colchão de palha aos mazarulhos (*) tão amarelecido e manchado pela humidade que nem o Trabalho desejaria ali descansar Um lava-Quem terá construído aquela casa de madeira, habitação de lavadeiras, escorada de margem amãos também de ferro, coxo com um velho espelho dependurado por um arame. Espaço, muito espaço para as banheiras que ao fim da tarde, seriam aí guardadas com a roupa lavada que o sol alpardinho (*) não tivera força para secar.Por baixo do”Vapor”havia no verão uma pequena represa feita na ribeira com os calhaus do leito cimentados a barro onde se empossava a água. Era a alegria da rapaziada, naquela água turva de sabão, escoada das lavagens ,nadavam, faziam pesca de eirós e até regatas de celhas, sentados ao fundo delas com os pés cruzados, servindo-se das mãos bem espalmadas para remar. Se acaso abalroavam, não havia perigo pois nadavam como peixes.Oh, “Vapor”, “Vapor”, porque não desceste até o mar para balouçares sobre as ondas?Porque te deixaste destruir pelas enxurradas?Molhada em lágrimas de saudade dos seus pequeninos companheiros, Luzia só deseja se abraçada pelo amigo que eternamente fiel a aguarda e, já nem olha para os alegres girassóis aqui, para os fetos além; corre, corre apressadamente, as cores quentes das buganvílias excitam-na e agora só deseja entregar-se loucamente ao mar.

Maria80

(*) - Vocabulário Popular Madeirense, Padre Fernando Augusto da Silva, edição da Junta Geral do Funchal, 1950.Fonte: Sarmento, Alberto Artur, in suplemento ao nº 4900 de O Jornal das Artes e Ciências e da História da Madeira, Funchal, 7 de Novembro de 1948.

segunda-feira, 2 de março de 2009

PROVÉRBIOS - SABEDORIA POPULAR



Hita é uma amiga espontânea, alegre, boa companheira; viaja muito, interessa-se pelas realidades do mundo por onde vai passando, sempre atenta à natureza humana que a rodeia. Mas dentro de si tem um mundo muito estranho que lhe permite falar com o “além desvendar mistérios. É para Hita muito natural perguntar a uma amiga com quem está a dialogar – olha o teu pai (já falecido) está aqui a teu lado, queres vê-lo? Não, responde-lhe a amiga horrorizada.
Viúva, na sua sala elegantemente bizarra, pousa sobre a prateleira da chaminé, um lindo cofre, contendo as cinzas do seu marido, que fora cremado.
Fim do ano 2002, após o feérico espectáculo na baía do Funchal a família brinda ao bebé 2003 que acabara de nascer. Toca o telemóvel é Hita a desejar felicidades à sua amiga madeirense e diz-lhe eufórica – estou a brindar à tua saúde, champanhe com com cinzas do meu marido!!!
“O 1º copo para a saúde
O 2º para a alegria
O 3º para a felicidade
O 4º para a loucura” Provérbio da Bulgária
A fechar estas estórias deixo um repto, baseado também na sabedoria popular – escrevam, minhas amigas, escrevam porque:
“FERRO QUE NÃO SE USA GASTA-O A FERRUGEM”
“QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA”

domingo, 1 de março de 2009

PROVÉRBIOS (continuação)



HISTÓRIAS VERÍDICAS
(continuação)
Manuela e Ramon, mãe velha e filho esquizofrénico, viviam pobremente numa casa a desfazer-se. No inverno os tectos descascavam-se mais e mais, dando passagem à chuva que se infiltrava por todo o lado. No verão era uma apoteose de pulgas e baratas que alegremente circulavam entre as poeiras e o lixo. No mísero quarto de dormir uma dúzia de relógios martelavam o tempo para o apressar.
Última desgraça para coroar uma vida cruel: entupiu-se a sanita, que durante anos e anos, fazia esforços para cumprir a sua missão
Como resolver este grande e inadiável problema? Fácil! Mãe e filho foram comprando grandes bidões de plástico, que dia a dia iam enchendo com as fezes, bidões esses que eram guardados metódicamente na cave. Quando o cheiro insuportável, subiu, subiu, até às casas vizinhas , foi pedida uma vistoria camarária, que encontrou, enfileirados, nada mais nada menos que 137 recipientes cheios de perfumado conteúdo.
“QUEM NÃO POUPA NEM HERDA SÓ TEM UMA POUCA DE M…”