sábado, 28 de maio de 2011
O PÁSSARO
Há muito tempo que desejava conhecê-lo, pois os seus assobios já me eram familiares, ouvia-os nos supermercados, e nas ruas circundantes à minha casa.
Até que uma tarde, estava pacatamente a tomar um chazinho de ervas no Qualifrutas e… começo a ouvir os seus trinados. Disse-me uma amiga – é o Pássaro, um homenzinho que está sempre a assobiar. Levantei-me rapidamente e fui no seu encalço. – Boa tarde – disse-lhe eu, como o senhor assobia bem! Olhou muito sério para mim para verificar, penso eu, se estava troçando da sua arte. Mas a minha expressão era a mais séria possível. Respondeu-me – aprendi na telefonia e na televisão: a minha mãe só queria ouvir o Teixeirinha, eu então, comprei um radiozinho e passei a ouvir música todo o dia, a passear no quintal, sei cantigas modernas e românticas também. Aprendi a falar inglês, francês e alemão-- Conhece as músicas do Francisco José? Oh, se sei, oiça: meus olhos castanhos… e põe-se a assobiar, ficámos os dois parados no passeio, ele assobiando e eu… escutando, quando era uma passagem mais difícil, o Pássaro, levantava um braço ao ar, qual maestro a conduzir a sua orquestra. – E aquela muito antiga – perguntei novamente, De quem eu gosto nem às paredes confesso? – Mas, essa , não é do Francisco José, é do Toni de Matos e lá a assobiou com todo o entusiasmo. –Muito bem – aprovava eu.
Nunca demorara tanto tempo para chegar a casa! Mas era chegado o momento para me despedir do meu companheiro e, como ele é poliglota disse-lhe – nice to meet you, good bie. E continuei o resto do meu caminho, assobiando também eu, mas mal, muito mal o Bolero de Ravel que é a minha música predilecta
Maria80
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Publicidade de ontem e de hoje
Ontem como hoje, aposta-se na publicidade a fim de aumentar as vendas, os contactos, lançar novidades etc. sempre dirigida ao consumidor, aposta-se no poder da imagem que é superior ao das palavras.
Folheando alguns exemplares do antigo jornal Heraldo da Madeira do ano de 1905, foi-me possível entrar na dia a dia daquela época, quais as suas principais necessidades, ofertas comerciais e outras mais notícias.
Com grande destaque encontrei anúncios de inúmeros consultórios de dentistas, pois a preocupação de ter bons dentes não é moderna.
TOLENTINOS - esses conheci eu, pois o mais novo da família de algozes muito crucificou a minha infância, porque os meus pais eram clientes desse consultório. Que desespero! Enquanto o doutor me tiranizava, a minha mãe, ignorando por completo o meu desespero, dialogava serenamente com o médico; ele tinha um andar de pinguim e, mesmo de olhos fechados, sentia os seus passos balanceados a equilibrar um corpo gorducho, tinha um modo muito peculiar de dizer a palavra cussspir, que nunca esquecerei.
Dentro da especialidade, havia pouca concorrência, só encontrei dois outros anúncios:
ALBERTO MACQUERYS – Colocação de dentes, com ou sem chapa, aparência igual ao natural. Garante de uma boa mastigação.
Também o Dr. Eduardo Ascenção anunciava os seus serviços; ao contrário do que hoje acontece, pois lê-se um anúncio de estomatologista porta sim, porta não.
Mas, tratados os dentes, era possível e mesmo muito agradável saborear boa doçaria, a MERCEARIA LEALDADE OFERECIA um grande e variado stock de bolachas, rebuçados, doces dos mais saborosos.
A MERCEARIA FAVORÁVEL, pelos seus anúncios, disponha de muitos doces de “fructa”, para atrair a sua clientela. Com a aproximação do Natal anunciava-se venda de “assucar” branco a 250 reis o Kilo, Cacau da melhor qualidade a 800 reis o kilo. O melhor café de “marka S. Tomé e Angola, chá inglês anunciado por três figurinhas galantes; manteiga Burnay a 720 reis à venda na Mercearia União (antiga vacaria).
Também a moda ocupava o seu lugar.
LONDON HOUSE à Rua da Sé oferecia grande variedade de punhos, camisas, colarinhos.
A CHAPELARIA CAMÕES publicitava sua colecção de chapéus de palha do Panamá, feltros em várias cores a preços módicos.
A LOJA RESTAURAÇÃO – vendia leques, mitaines, luvas em seda e algodão etc.
Quanto a bengalas A LIBERDADD ao Largo do Chafariz 32 acabara de receber uma bonita colecção a preços convidativos.
COSMÈTICA – POMADA SECRETO para fazer crescer cabelos, barba e bigodes.
SAÚDE – para Anemias, Extenuação, Empobrecimento de sangue e Cor pálida recorreria-se às DRAGEIAS RABUTEAUX. Afecções Syphiticas, Vícios de Sangue, com XAROPE GILBERT encontraria a saúde perdida.
O HOSPITAL – pede amas.
Aprender “allemão” observando a “ortographia” moderna; l3$000 ições de Inglês por um professor com comprovada prática de ensino “méthodo” rápido e novo na madeira. Lições em classe por 3$000 reis por mez.
“Fugiu um papagaio cinzento”, dão-se alvíceras a quem o entregar na redacção deste diário.
Casas para venda, ao c ontrário do que hoje se lê em catadupa, não encontrei nenhum anúncio; só para alugar: “Aluga-se casa à Rua… com cinco quartos, água de beber e para lavar…”
Mas muito interessante é o estilo de escrita dessa época, por exemplo o funeral do snr. Fulano tal:
“… à beira do sepulcro o snr. Admirador do extinto, proferiu sentidas palavras de despedida, das quais apenas podemos transcrever alguns períodos fugitivos:
Ó que sombrio problema este da morte
Será verdade, que extinta a vida inerte e exangue o nosso ser se decompõe dos seus elementos primevos trazendo ao seio da natureza mãe, que lhe deu existência, o alento pelo agregado molecular, tal qual o planeta no âmago de que se extinguiu o calor….”
Depois de tanto pesar passemos aos programas culturais. A nossa juventude ficaria desolada com a escassês de programas de diversão: um ou outro concerto na Praça da Rainha, baile na Quinta Pavão e o Theatro D, Maria Pia a apresentar uma ou outra peça de teatro “Didia a mulher peixe. Que monotonia em comparação com os programas das nossas discotecas, arraiais, cortejos que enchem a nossa cidade de luz e música.
Mas , consultando a nossa imprensa diária, a venda de automóveis é muito publicitada, neste contexto chega-se ao exagero de publicar as fotos de alguns vendedoresl para que, olhando para os seus rostos, a conta bancária dos hipotéticos compradores, aumente num crescendo milagroso.
Muitos astrólogos, qual deles o mais negro, a prometerem sucesso, amor e dinheiro. Coitado o desgraçado que se convence de tanta mentira.
Mas , a grande novidade é a compra de ouro e prata: ELOYS, OUROLUX e muitos outros comerciantes que estão a aproveitar-se desta mudança de mentalidades. Lá vai o tempo em que a preocupação das raparigas era comprar um fio de ouro, que passava de avós para netas, mas agora, trocam valores reais por “uma viagem à Venezuela para ver o seu netinho.
Bem disse o poeta “POBRES DOS POBRES DOS POBREZINHOS.
Maria 80
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
ESTRANHA MANEIRA DE REZAR
Voltou!. Ele voltou! Não do exílio, nem da guerra mas de um mundo diferente. Contrariamente ao pai do filho pródigo, não lhe mandei fazer uma túnica nova, nem mandei matar um bezerro gordo , Vinha ensopado em saudade e extenuado de percorrer um tão curto-longo percurso; Instalei-o imediatamente no melhor quarto da casa, o meu quarto, bom, confortável, cheio de almofadas onde habitualmente me recostava desfiando minhas horas de solidão ou fazendo contas de cabeça. Nem pensei que ficava desalojada e que era premente arranjar onde dormir, mas dentro de mim tudo estava às avessas, perdera a nação do “estar”, não distinguia cores, tons, sol sombra e, neste modo de viver tão apático ,fui ocupar outro quarto da casa onde tinha uma caminha, era quanto necessitava. Ignorei a desarrumação que me rodeava: roupas, tábua de engomar, vassouras ,mopas, tudo o que era a mais lá estava arrecadado. E os dias iam passando sem me aperceber que tudo o que me rodeava era feio, sem graça. Não mais me lembrei das minhas almofadas, da minha linda colcha de crochet e outros mais pormenores que contribuíam para tornar o meu ambiente acolhedor.
Uma amiga veio visitar-me, voltou outra e outra vez, sendo sempre recebida no meu quarto trapalhão. Até que um dia explodiu e disse – não posso vê-la nesta confusão!!! Vou preparar-lhe o seu mundo, um mundo compatível com o seu “eu” Posso? Sorri-lhe e disse – só não dispenso a cama para aterrar o meu desânimo!
E dia após dia, a minha amiguinha chegava com sacos: tapete ,cortinas etc. tudo o que era necessário para que se desse uma completa transformação “tipo querido mudei a casa”—Isto, para mim é rezar --dizia-me a minha amiguinha, não frequento a igreja mas rezo , rezo á minha maneira. E foi neste espírito de oração que se fechou no meu quartinho e modificou-o por completo. Tenho a minha mesinha da saudade, com fotos dos meus queridos, a tv, a mesma, parece que diminuiu, e não afronta, o computador, orgulhoso, pousa numa mesa antiga, os meus santinhos, colocados numa escadinha amorosa, olham o céu mais de perto. Uma cama nova, coberta com colcha branca cujas franjas são o encanto da minha gatinha. Maple e almofadas de veludo, às riscas, tudo, tudo novo e alegre, nada falta no meu cantinho onde estou 24 horas por dia. Ao tirar a venda dos olhos, mal entrei exclamei –Querida, isto não é uma simples oração, isto equivale a uma missa cantada com Tedeum.
Depois de tudo isto, resta-me um desejo, mas impossível de realizar: ter uma cauda de cachorrinho para abanar sempre para mostrar o meu regosijo.
Se alguém mais rezasse assim o mundo seria MELHOR!
Maria80
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Velha Recordação de um Velho Natal
O nosso Natal de família era simples, simples, mas para nós encantador, pois que todas as tradições eram cumpridas, ano após ano ,sempre iguaizinhas e sempre muito queridas
Pairava Festa no ar, e era um prazer sair, olhar as montras, respirar o perfume dos pinheiros e das acácias em flor que nos traziam da serra a pureza do ar; encontrar amigos todos atarefados nas suas compras, trocar impressões sobre o andamento dos preparativos.
Eu acompanhava sempre a minha mãe, de mãos dadas, chapéu de feltro argolado, as trancinhas apertadas num laço de fita azul- escuro.
Uma vez, encontramos uma rapariga de Machico, terra do encanto da minha mãe e onde tinha muitas amizades. O encontro foi alegre – olá, Isabelinha! Como estás? Como estão todos os amigos que lá deixei? Então já principiaste a fazer a tua lapinha? Ah! Menina Dora, tenho tanta tristeza, o meu rapaz mais pequeno quebrou as sagradas canelas do Menino Jesus! Minha mãe riu-se muito com aquela santa irreverência que ficou gravada na minha mente.
Em casa já se limpavam as pratas com pó de giz e os móveis estavam renovados com uma mistura de azeite e aguarás; o criado já lavara o soalho da casa de cima a baixo, o uso da cera não era habitual.
Morto e esquartejado o porco, amassados os bolos de mel, os pikles já muito apertados nos frascos com molho de mostarda, era chegado o tempo de preparar a doçaria : cavaquinhas, broas de mel, encantos de massa leve, bolos de família, queque inglês, geleia de vinha coroada com uma avenca sempre a tremer e o espectacular plum-pudding, que era servido em chamas e que aguçava a nossa gula , era o momento alto da noite de Festa.
A nossa sala era enorme, ao fundo, o pinheiro com o presépio armado com papel pardo, pintado, os junquilhos, as cabrinhas, os peros vermelhos e as tangerinas adocicavam o ar.
Para dar início à festa, apagavam-se todas as luzes ficando nós, somente iluminados pelas luzes das velas que se espalhavam por todo o lado A minha mãe ao piano e a nossa querida tia Eva tocavam e cantavam uma conhecida canção de Natal. Abrir os presentes, cear, ocupavam-nos o resto daquela bela noite.
No dia 25 íamos à missa a Sª Clara e depois jantávamos às 14 horas como era costume nesse tempo, com a minha avó Margarida que exigia que a refeição fosse servida à hora exacta, dada pelo relógio ancestral, jantar ao qual não faltava o delicioso pudim de pão .Durante a tarde, o nosso programa predilecto – jogar aos escondidos com o nosso pai. Os esconderijos eram preparados com antecedência para dificultar a prova; uma vez fiquei escondida dentro duma saca, que já há vários dias estava dependurada num estendal! Foi bem difícil o pai encontrar-me!
Na primeira oitava: visita anual a uma prima que nós adorávamos, à Calçada do Pico, senhora encantadora, com olhos azuis profundos e que nos falava entusiasticamente das estrelas, que observava com muito interesse. E a conversa deslizava sobre os principais acontecimentos da família. Num dado momento, lembrei-me e pedi à minha mãe: conta, conta a história do rapaz que tinha quebrado as “santíssimas patas do menino Jesus”…
Credo em cruz, Abrenuncia…..
Maria80
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
CORRE TEMPO, CORRE TEMPO, CORRE CORRE
O MEU VESTIDO DE NOIVA
Casei em Lisboa na Igreja de S. Jorge de Arroios.
Tudo aconteceu como num sonho: a beleza do vestido, a elegância dos convidados, o luxo dos automóveis, o mestre de cerimónias, o almoço num Hotel ´chic da capital, a lua de mel n Estoril.
Tudo belo, perfeitíssimo, ao mais alto nível
CORRE TEMPO CORRE TEMPO FOGE FOGE...
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
CORRE TEMPO, CORRE TEMPO, CORRE, CORRE...
O meu primeiro baile teve lugar na quinta onde vivia o Cônsul brasileiro; era pai de cinco filhas, com as quais eu convivia ; sempre à procura de divertimentos organizaram um baile formal para o qual eu fui convidada. Como era costume na época, foi chamada a costureira para fazer o meu vestido. Era de organdi cor de rosa lavrado, enfeitado com fita de veludo preta e muito, muito rodado como eu sempre sonhara. Lembro-me que usei ao pescoço um colar com uma medalha preta de ónix com um eme em pérolas. As minhas amigas elogiaram-me muito.
Foi uma noite magnífica, com liberdade para me divertir e dançar, dançar, dançar.
Nessa época, estavam no Funchal muitos militares e não houve falta de pares: furriéis, oficiais, tenentes, não os distinguia pelas patentes e tanto dançava com um cabo, como com um capitão, não interessava!!!
domingo, 26 de setembro de 2010
CORRE TEMPO, CORRE TEMPO, CORRE, CORRE...
No tempo da minha infância, era costume, as meninas estrearem um vestido novo, no dia em que iriam fazer o seu exame de quarta classe (actual 6º ano do ensino básico) O meu era muito bonitinho, de cassa , azul claro, estampada com tulipas brancas, decote quadrado arrematado com uma barra branca, igual motivo nas manguinhas. Recordo essa etapa da minha vida que principiava, com intenso realismo.
O exame, realizar-se-ia numa Escola na Rua da Carreira e vivo ainda o nervosismo que senti, para prestar essa prova. Feita a chamada, ao subir devagarinho a escada que me conduziria, no meu lindo vestido azul não era azul o meu estado de alma. Jamais esquecerei esse momento, julguei que morreria, mas não morri.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
A minha Primeira Comunhão
A MINHA PRIMEIRA COMUNHÃO
Quando estava preparada para fazer a Primeira Comunhão a situação financeira da família estava em
crise, o Banco Reid’s Castro falira e meu pai, assim como todos os colegas foram para o desemprego.
Mas a minha vida religiosa tinha que percorrer o seu percurso, por esta razão tudo se realizou com a
maior simplicidade, a cerimónia realizou-se na Capela do Lactário pobre, à Rua da Mouraria. As crianças
todas de branco, tinham em comum uma coroa de rosas brancas numa imitação modesta de Santa
Teresinha de Jesus. Vesti para a ocasião, uma túnica de cetim branca, emprestada, que encimada pela
coroa de flores e pelo véu me fez sentir que esse dia era muito especial. Os Cãnticos das religiosas e o
clima em que tudo decorreu, deu-me uma sensacão de paz e alegria que não se esfumou pelo facto, de
em casa não ter havido chá, bolo nem ofertas. Foi um dia feliz do qual ficou uma foto, para sempre recordar
CORRE TEMPO, TEMPO CORRE, CORRE, CORRE…
quinta-feira, 29 de julho de 2010
A vida...com vestidos
A vida . . . com vestidos
Chegou o meu octogésimo terceiro aniversário natalício, o que significa que já vivi 30 295 dias, o sol cumprindo a sua missão: nascer todas a manhãs e recolher-se ao fim de cada tarde. Reflecti, quantos vestidos usei nesta fila infindável de dias, qual manifestação sindical? Em que vestido me alegrei? Sofri? Consoante os acontecimentos da vida. Penetrei nas brumas do passado e foi possível recordar alguns.
A Escola primária
A minha infância foi muito feliz, tinha um quintal grande para brincar, correr. Gostava muito de cozinhar no meu fogãozinho de folha cor -de -rosa embora a receita fosse sempre a mesma: couves cozidas com tomatinhos de lagartixa, que agora se vendem nos supermercados com o nome requintado de “tomate cereja”.
Um longo mirante onde me debruçava horas e horas a ver passar, ininterruptamente, carrinhos de cesto, transportando turistas, na sua maioria alemães, que viajavam em excursões denominadas Alegria do Trabalho, no tempo do Hitler. Como vivia próximo do cemitério de Sª Luzia via passar muitos funerais, que me inspiravam a enterrar, com muitas flores, passarinho ou abelha que encontrasse mortos no jardim. Também gostava muito de ir para a cozinha escutar as histórias da criada da minha avó, a Josefina, que me falava de factos ocorridos nas outras casas onde trabalhara, suas rezas: Pedro e Paulo foi a Roma e o Senhor o encontrou, Pedro e Paulo donde vens? –Senhor, venho de Roma, Pedro e Paulo o que lá há? – Senhor muita “zerpela”, volta lá Pedro e Paulo, toma palma e oliveira e cura desta maneira: ó “zerpela” maldita quem te deu essa morada? Foi o vento foi a neve foi a grande tempestade. – Vai-te “zerpela” maldita, vai para o fundo do mar onde não oiças nem galo nem galinha cantar nem bicho d’apavoar. Meu pai arreliava-me pelo facto de eu estar muito tempo na cozinha e então dizia – esta pequena vai ter mentalidade de sopeira.
Mas chegou o dia fatídico de entrar na escola primária. Aos dez minutos para as 14 horas , com um vestido de tobralco branco com moranguinhos vermelhos, descia eu a Calçada da Encarnação, pela mão da criada. O relógio da Sé tocava uns repiques que me causavam um desespero surdo, adivinhando o sofrimento que me esperava – aprender a Ler - como desejei tanto continuar a ser ignorante mas que não me tirassem os meus hábitos e brincadeiras; lágrimas, morangos, saudades da minha mãe, tudo envolvido em mais lágrimas; Como quereria estar nesse momento a ver o trabalhador da fazenda a cavar semilhas, a ouvir o ruído molhado do machado a cortar os troncos das bananeiras!
CORRE TEMPO, TEMPO CORRE, CORRE, CORRE…
sexta-feira, 16 de julho de 2010
2010 JULHO 16 FESTA DA VIRGEM DO CARMO
sábado, 3 de julho de 2010
As máscaras no teatro
O Teatro é uma grande arte de comunicar. Os actores ao desempenharem o seu papel, transmitem-nos estados de alma e sentimentos consoante a sua perfeição na arte de representar, levando o público ao seu mundo, à sua história a ponto de este se esquecer que é um simples espectador.
Foram os gregos o primeiro povo a utilizar máscaras no teatro o que permite, com maior facilidade desempenhar personagens, as mais díspares: transformar um riso num sorriso, a frieza em cordialidade, o cinismo em amizade.
Fui ao teatro
A cena desenrolava-se num jardim e tudo estava preparado para festejar o aniversário de uma criança. Um relvado verde, verdíssimo, acolhia com verdes e naturais saudações os convidados.
Crianças, muitas crianças que com pistolas e metralhadoras atacavam-se uns aos outros com amizade falseando a guerra que estavam a travar. Ao meio do jardim, uma mesa repleta de guloseimas era assaltada, de vez em quando, pelos pequenos soldados que precisavam de força para atacar o “inimigo”.
Os adultos, um elenco feminino, com as suas máscaras, desempenharam com excelência o seu papel, parecendo felizes, trocavam conversas banais, nas quais, não havia máscara que escondesse o clima frio como o chá gelado que estava a ser servido. Ao meio da mesa, o bolo de velas estava pronto para que fosse cantado o “parabéns a você”. Com a habitual salva de palmas desfez-se a companhia, qual bolas de sabão coloridas e leves que se apagam rapidamente sem nos dar tempo para apreciar o seu colorido. As batalhas das crianças, essas sim, foram bem reais, não fora isso, teria sido uma triste festa de aniversário. Porquê? Porque não foi convidado o Amor.
Maria80
domingo, 23 de maio de 2010
CORAÇÃO PARTIDO
Meu coração deu um salto e caiu inesperadamente no chão, quiz apanhá-lo mas não consegui, voou para longe, longe!
Apareceu-me a Tristeza para carregar ainda mais minha triste tristura; é uma amiga indesejável que aparece sem ter sido convidada e cola-se, cola-se não há como livrar-me dela! Juntas tomamos o pequeno almoço, obriga-me a engolir sonhos e suspiros. Juntas, com indiferença, lemos o diário, política, desporto, acidentes mais ou menos graves, necrologia, aí sim, vejo com certo interesse qual a agência funerária que tem mais clientela! Até a Tristeza se ri! E neste contexto sugere-me a ideia de um lindo coração de cravos rubros, avermelhados pelo meu amor e ternura para preencher o vácuo deixado pelo meu fugitivo.
Esperam-me dias vazios, quantos? Vamos ao jardim mas noto que a sombra da Tristeza apaga o viço e a beleza das minhas flores, as folhas das árvores esticam-se, tristes, procurando o chão.
Passa, lá no céu, um avião, deixando atrás de si um rasto de liberdade, olho-o, endo os braços
e peço: leva-me para o desconhecido, onde poderei ser feliz, mas a minha companheira prende-me ao ler os meus pensamentos.
Por vezes, penso no meu coração, onde estará? Vai voltar de certeza, mas mais pequenino e cheio de cicatrizes, para o arrumar no seu canto, vou ter que aconchegá-lo carinhosamente.
A noite cai, é hora de deitar, vou para a cama, abraço-me á Tristeza e sonho com cravos vermelhos.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
sábado, 20 de fevereiro de 2010
DIÁLOGO COM O MAR,
Ódio
Somos vizinhos, todas as manhãs olho-te da minha janela, mas por vezes nem te cumprimento e tu, oh mar, ocupado no teu vaivém nem dás pela minha falta de cortesia.
Sabes porque te aborreço? Oprimes-me aqui fechada numa ilha cercada de espuma, qual bolo rodeado por “chantlly”, mas apesar de me sentir tua prisioneira gosto de dialogar contigo. Roubaste-me o meu bocado de céu, o meu bocado de mundo. Adorava ser anónima e percorrer avenidas cheias de ruído próprio de uma grande cidade, não recear encontrar-te ao virar de uma esquina; olhar gordos autocarros prontos a “parir” uma ninhada de gente, em cada paragem do seu percurso; sentir a Primavera nos rebentos das árvores. E meus amigos? Aos poucos foram desaparecendo e nem lhes disse adeus.
Houve tempo em que te pedi encarecidamente que, com tantas pedras que tens no teu fundo, me arranjasses um caminhinho, só para mim, para que eu correndo, correndo fosse lá ver o que tinha deixado e correndo, correndo, voltasse para a minha solidão. Sabes o que é Saudade? É o desejo de voltar a ver lugares onde fomos felizes. E qual foi a tua resposta? Caminho?! Já não bastou o caminho que as caravelas me abriram para chegar ao Oriente. Se desejasse ser rasgado teria ajudado os soldados do Faraó a atravessar o Mar Vermelho.
Agora, adivinho-te, és cruel, indomável e esmagador. És matreiro, fazes amizade com o vento e cobres-te de “ovelhinhas” a ver se atrais algum pastor, também com esse aliado retiveste uma caravela, além no horizonte, que trazia um lindo vestido de noiva que chorosa teve que adiar o seu casamento até que decidisses pedir ao teu amigo que enfunasse as velas do barco.
Decididamente odeio-te, quando chegar ao meu fim não quero ser reduzida a cinzas e atirada às tuas águas, quero terra fofa donde brotam flores coloridas e perfumadas.
Sabes quando me conquistaste? Eu sei e já te conto: Há alguns anos atrás, foi planeado em família, passar uns dias de férias no Porto Moniz. Como ainda não tínhamos carro, um chauffeur de praça nosso vizinho, o snr. Francisco Roque, levou-nos até lá. Era um excelente condutor, apitava em todas as curvas e era um conversador exaustivo, explicava tudo, tudo, certo ou errado, referia-se às leis da Física para justificar o ruído que o carro produzia ao passar nos cubos de cimento, colocados à beira da estrada. Sabia os nomes das fajãs, rochedos e suas lendas.
Para me alhear de tanta informação, pois nesse tempo a viagem era longa, deixei-me enlevar pela beleza dos caminhos…olha, além, uma capelinha tão pitoresca, ladeada por duas árvores frondosas, adequava-se a um casamento furtivo. À subida da Encumeada, tentava “apanhar” alguns farrapinhos de nevoeiro, que corriam perdidos da mãe. E as casinhas isoladas trepando montanha acima!!!
E o táxi sempre a apitar despertando a floresta que ainda não acordara; os novelos à beira da estrada alindavam-se para conquistar quem por eles passava.
À saída de S. Vicente e iniciando a percorrer a estrada á tua beira, deslumbraste-me com tanta beleza, oh mar, as praias de calhaus que chupavas ruidosamente ao escorregares entre as pedras; as rochas, altivas, impenetráveis que lambias constantemente com tua espuma; as poças, ora cheias ora vazias conforme a tua agitação.
Além, nas piscinas, a água leve, leve, como que gaseificada, ficou retida por um colar de rochas , aos recortes qual caseado de bordado Madeira, e permite aos visitantes o prazer de um excelente banho. Aproximo-me, convidas-me a entrar, molho os pés, e tu, num movimento de empatia, acaricias minha pele, como um namorado a tactear a sua amada. Rendo-me ao teu amor, vem, dá-me um abraço de vento, um eterno abraço de tempo.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
as suas palavras elogiosas fizeram de mim um "poço de vaidade", defeito este que eu sempre tenho combatido ao longo da minha longa vida.
O seu nome veio embelezar o meu jardim e também me trouxe doces recordações. Fiquei feliz por me ter encontrado no infindável espaço da net.
domingo, 24 de janeiro de 2010
A hora do jantar aproxima-se, o grande father puxa ritmadamente os minutos para que se façam horas.
A sala está resplandecente, as luzes dão relevo e beleza às peças antigas expostas em antigas mesas e estantes. Os antúrios artisticamente dispostos, gritam com a sua cor contra as sombras dos recantos. Uma sonata de Beethoven, quase em surdina, embala os bisavós, cujos quadros emoldurados a ouro testemunham a ancestralidade da família.
Ela, a dona da casa, olhou em seu redor, cansada, mas feliz, como um atleta a cortar a meta.
A NOITE TINHA QUE SER UM SUCESSO
Eis que chegam os convidados. O prazer do encontro, a alegria de receber e ser recebido, a conversação animada, fluida, simpática, fazendo esquecer a cerimónia que o relacionamento impunha. Os whiskies, os aperitivos escolhidos com esmero, os risos, as quase brejeirices criavam um clima acolhedor.
UM SUCESSO
O jantar vai ser servido: a entrada deliciosa da qual não apetecia sair, o prato de peixe perfumado com ervas aromáticas, lembrando o campo onde tinham sido colhidas; o gelado de limão, divino, preparava o paladar para as carnes, estas acompanhadas por souflés de queijo, fiambre e legumes variados, arrancados a contra gosto das hortas que lhes deram vida e cor. Os vinhos – O branco, vivo no aroma, com um leve toque tropical, cheio de frescura incomparável, porque servido a preceito – 13ºC. Tinto – com aroma de frutos maduros, uma frescura e acidez bem equilibradas, envolvente na boca, claro, tudo isto a 18ºC. O Madeira que não chegou a ser servido, notável pela sua estrutura aromática, lembrando passas e baunilha, austero, de longo curso, de difícil escolha – beber ou guardar?
UM SUCESSO
A dona da casa envaidecida com o requinte do serviço, desejosa de receber um olhar de apreço, olha para o marido, que nesse momento exacto, engasgado, está a levantar-se com ruído e sai precipitadamente da sala. Era impossível disfarçar o sucedido, caiu nos convivas um silêncio tumular. Ela, a mulher, vai ter com o marido, que lhe diz dramaticamente – engoli a minha prótese com três dentes. O ambiente congelou. O pudim, receita conventual, foi esquecido. O velho Madeira, que não foi saboreado, irá continuar serenamente o seu envelhecimento.
UM INSUCESSO
Como superá-lo? Sómente meditando nas doutas palavras do sábio monge Zen Riokan, que há longos anos disse – Quando te encontrares com a infelicidade é bom encontrares – te com ela e eu acrescento na mesma linha – quando te encontrares com o insucesso é bom encontrares-te com ele.
Maria80
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Você gosta de música Clássica???
Para evitar que se queimem, sento-me em frente do fogão para controlar a sua cozedura. Lógico, sempre que me sento a minha gata Eva salta imediatamente para o meu colo, é sossegadinha e a sua calma deixa-me meditar. No tabuleiro, as areias, há pouco informes estão ficando arredondadas e perfeitinhas, comparei-as com as crianças, que no calor e amizade dos pais, também se deixam modelar. E todas estas reflexões para eu poder compreender porque gosto tanto de música clássica.
Lá em casa, os meus pais conversavam e ouviam boa música, por vezes um trauteava qualquer melodia para verificar se o outro adivinhava o seu nome e o do autor. À tarde, muitas vezes, sentavam-se no escritório a ouvir óperas nos velhos discos de vinil. E nós, raparigas, ao subir ou descer as escadas da nossa velha casa ou ao percorrer os seus longos corredores, apanhávamos alguns trechos das músicas que pairavam no ar.
Mais tarde casei, nasceram filhos e a música já era outra. Algumas raras vezes que apanhava na televisão, algum programa musical mais selecto, logo o meu marido perguntava-me: - estou na oficina do mestre Carlos?
Mas, marido na eternidade, filhos casados, estou livre para escolher os programas que mais aprecio e vingo-me assim.
Graças ao canal Youtube tenho ao meu dispor tudo o que gosto e aprecio ouvir. Sempre acompanhada pela Evinha passo tempos indeterminados a "saborear" os belos acordes que incrívelmente sairam da alma dos compositores. Estava, uma vez extasiada com a 5ª Sonata de Beethoven , tum tum tum tum, a gatinha acordou e olhou para mim intrigada. Evinha disse-lhe eu - não te perturbes que é o destino a bater à porta deixemo-lo entrar, tum tum tum tum.
Ao som destas maravilhosas melodias, sinto-me como o rapaz da história infantil que subiu, subiu, bem ao alto do feijoeiro, que lhe nascera no quintal, eu também trepo, trepo e lá no alto deixo-me balançar, prosaicamente, com os feijões a me roçarem o rosto.
Voltando à minha mãe, que me conduziu por este caminho, ela gostava não só de ouvir, mas tinha gosto em transmitir, e nesse sentido, levava por vezes, para a cozinha o antigo gramofone e respectivos discos, numa tentativa para cativar as criadas para a boa música. As pobres ignorantes que só conheciam as músicas das bandas dos arraiais, no entanto, ouviam pacientemente a lição cultural que lhes estava a ser dada.
Anos mais tarde, encontrei uma antiga criada da minha mãe, que me disse: Que saudades eu tenho da Sª. D. Dora e das músicas que nos ponha a ouvir, Credo! Abrenúncia.!
Eu própria, tentei uma vez, levar as minhas netas pequenas a um concerto ao Centro de Congressos, o programa era convidativo - Zarzuelas e bailados espanhóis. A minha neta mais pequena, foi ouvindo, foi ouvindo calmamente e por fim exclamou: Avó, tenho fome! Respondi-lhe: Minha filha, para um concerto não é costume trazer a cesta do pic-nic.
Maria80
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
FESTAS DO FIM DO ANO NO FUNCHAL
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
AS CLASSES DE DANÇA DA D.EUGÉNIA
Quando eu era criança, muito criança, já sonhava que era bailarina e ao som matraqueado das bandas de música nos arraiais de Sª. Luzia imaginava que estava a dar lindas piruetas lá no cimo do coreto. Era um belo devaneio e a minha alma pequenina acompanhava-me naquele louco rodopio.
Mais tarde, os filmes de Fred Astaire e Ginger Rogers mais e mais me entusiasmaram, pela sua graciosidade e beleza; os vestidos luxuosos e muito rodados acentuavam o ritmo dos seus movimentos.
Calmamente fui esperando o tempo em que, já rapariga, iria saborear também o prazer de dançar.
Mas, jamais poderia imaginar que esses projectos iriam ser tão difíceis de concretizar, pois o meu pai cortou-me fria e inexorávelmente os meus desejos de adolescente. - Não, não, a sua sempre menina jamais seria enlaçada por braços masculinos, com o bicho-homem distância -. Até os banhos de mar, no Lido me foram proíbidos, pois era um local frequentado. por militares e, tanto mais, dizia-se, que se passavam por lá muitas indecências ???
Revoltada com estas atitudes, passei a reivindicar os meus direitos femininos.
A minha mãe, sempre conciliadora, resolveu contornar este obstáculo, e um certo dia, chegando a casa, disse-me:- sabes Teresa, vais frequentar as classes de dança da D. Eugénia...MILAGRE...a tanto não tinha sonhado! !! as classes de dança da D. Eugénia tão afamadas pelo seu brilhantis-mo...mas minha súbita alegria foi fugaz e caiu-me aos pés, rolando, rolando no meu pobre chão ,
quando minha mãe acrescentou calmamente:-vais para uma classe particular com a tua ex-colega da escola, irmãs e primos, tudo em família. E que família! Conhecia tão bem os primos da
Suzete. Esses seriam os meus pares? Gordos, anafados, reluzentes à custa de tanto pão comerem
sei lá, pão de forma, português, de cruz.
Aceitei tristemente este programa, dançar eu aprenderia, por certo, mas a vingança era uma certeza.
Nesse tempo, as técnicas de som eram quase desconhecidas e nas classes de dança da D. Eugénia
a música provinha de um piano cansado de devorar, esfrangalhar as belas notas das valsas de
Strauss e dos românticos tangos de Gardel.
As valsas eram penosas para os meus gentis cavalheiros, porque ficavam banhados de suor, já
os fox-trot lhes davam maior descanso. De tango, só o nome, pois suas patorras impediam -nos de executar tão belos passos quase de cumplicidade entre os pares.
Mas, mesmo nestas condições, aprendi: mas para quê, perguntava-me desolada, estavam-me vedados assaltos de Carnaval, festinhas de fim do ano, nada.
Mas agora, as minhas lembranças apagaram-se e não sei como é que eu tive autorização para ir às matinés dançantes do velho Casino da Madeira.
Como era bom dançar com pares galantes, com farda, sem farda, que me levavam a deslizar,, rodopiar ao som de belas músicas modernas tocadas por uma verdadeira orquestra.
Mas toda a felicidade tem o seu preço! e eu pagava esse preço quando me vinham tirar para dançar dois assíduos e indesjáveis pares: Um, o comandante dos Bombeiros Municipais, homem
respeitozissimo, fiel chefe de família mas que adorava foliar com raparigas novas. Quem não se recorda de o ver desfilar garboso, nas paradas militares com seu capacete de metal tão brilhante que até irritava o Sol! O outro indesejável era o Eduardinho, paz à sua alma, tão pequenino, sempre elegantezinho, mas faltou-lhe Pó Royal para crescer.Mas, apesar destes pequenos
incidentes, vivi tardes tão gostosas, nas quais tive oportunidade de exibir os meus conhecimentos adquiridos nas classes de dança da D. Eugénia.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
A ALDORA
A ALDORA
Encontrei-a hoje no Funchal, a Aldora, a minha Aldora. Abraçámo-nos efusivamente, seus olhos negros, sempre expressivos derramaram ternura, suas rugas que marcam uma longa vida, distenderam-se num sorriso jovem e gaiato.
Mas quem é esta boa amiga que me trás tantas e doces recordações da minha infância?
É natural do Monte, onde sempre viveu e vinha para a nossa casa, como empregada doméstica nos períodos de transição de criadas; estava sempre disponível para remediar uma situação de mudança de pessoal.
Eu, criança, à volta dos dez anos, ela com os seu vinte, dávamo-nos muito bem. Ao fim da tarde, muitas vezes, acabada a lida caseira, íamos para o quintal, se era tempo das canas de açúcar chupávamos gulosamente, pedaços e pedaços de cana, à velocidade de um engenho, escolhíamos especialmente a qualidade P O J que eram as mais doces e tenras. Fecho os olhos e sinto novamente o paladar e a frescura do suco das canas sacarinas.
Em dias de vento corríamos de braços abertos pelos longos passeios do quintal, éramos vento, respirávamos vento, soprávamos como vento abanando as árvores que pacientemente se deixavam desfolhar.
Mas, o que mais recordo da minha Aldora foi um grande acontecimento da sua vida: a sua nomeação para Mordoma da Festa do Monte. Tal nomeação dava estatuto mas também obrigações. Era de bom tom que as mordomas “tirassem” três vestidos novos: um para a véspera, outro para o dia da Festa e o terceiro para a segunda-feira seguinte, dia de fazer contas.
Claro que acompanhei de perto todos estes projectos. Era preciso fazer roupa nova, de dentro para fora. Aldora começou a preparar a roupa interior; para a combinação comprou um tecido cor de rosa choque, que nessa época era inaceitável, no qual foi bordando, nas horas livres,uma barra de “viuvinhas”.
Eu olhava extasiada com a rapidez com que as florinhas apareciam bordadas. Ela tinha uma bola de linhas de bordado Madeira de todas as cores possíveis e, estou a vê-la, puxava uma linha, à toa sem preocupação de cor ou tom, e a linha rapidamente já era viuvinha”.
Mas dos três vestidos o mais importante era aquele que seria usado no dia da Festa e da procissão. Esse foi confeccionado em seda “georgete” castanha e como complemento da toilete, chapéu de palha da mesma cor enfeitado com duas rosas cor-de-rosa.
Escolhidas as roupas iniciou-se a segunda fase: o momento exacto em que Aldora, em carro aberto, iria passar por debaixo da janela da casa onde viviam as suas futuras cunhadas, irmãs do José seu namorado, que viviam na nossa rua logo abaixo da quinta Sarmento, esse era o factor de maior relevo do que a Festa propriamente dita e era seu maior desejo causar às espectadoras sentimentos de inveja, assombro e admiração.
Vivia também em Sª. Luzia um chauffeur de praça, o Galo Tonto, que era proprietário de um carro grande, próprio para passeios turísticos e que com a capota descida permitia aos passageiros verem bem e serem vistos, foi esse o carro escolhido.
Mas S. Pedro não gostou deste desejo que poderia levar almas cristãs ao pecado e na manhã do dia 14 de Agosto, em pleno verão mandou nevoeiro e chuviscos. Nestas condições atmosféricas nunca soube se o desejo, tão, tão desejado pela Aldora se concretizou e em que condições chegou à Igreja do Monte, no carro aberto do Galo Tonto!!!
Maria 80
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Uma visita de pêsames
Acordei muito, muito cedo, os melros pretos ainda não tinham principiado as suas saudações e diálogos. O silêncio era tão profundo que os meus ouvidos nada tinham para escutar. Então vieram as recordações de outras manhãs distantes em que acordava com o ruído das carroças que transportavam legumes, frutas e outros produtos mais, para abastecimento da Praça do Chile . As mulheres da fava rica eram tão madrugadoras como os melros pretos do meu jardim. “Ó fava riiiiiiiiica”. E a pouco e pouco vinham surgindo os pregões da laranja “- olha a boa laranja ,laranja boa…” e o homem dos queijos “-ó queijo saloio…” o dos morangos “- são de Sintra…” e as peixeiras “-ó freguesa é para acabar, rabo , cabeça e posta…”!
Que saudades de toda aquela envolvência ao meu despertar na Alameda D. Afonso Henriques!!!
A nossa mudança de residência para a capital, foi uma grande e boa aventura. Cidades diferentes, diferentes os costumes. Nessa época 1949/50 para ir às compras à baixa lisboeta era de bom tom cuidar da toillete, as luvas e os chapéus contribuíam para dar uma nota chic, se assim não fosse, como entrar descontraidamente na Pastelaria Império nas Escadinhas de Sª Justa? E as estreias no cinema S. Jorge sempre com magnifico recital de órgão nos intervalos da exibição dos filmes?
O primeiro inverno que lá passámos foi difícil, havia a preocupação do “abafar”, quer para sair quer para estar em casa. Lembro-me perfeitamente das nossas toilletes caseiras, minha e da minha mãe, dessa tarde que estou a recordar; eu vestia saia de xadrez vermelho, preto e branco, camisola preta, colar vermelho. A minha mãe: saia de xadrez em vários tons de verde, pull-over verde bandeira, muito alheadas do falecimento de uma tia, que tinha ocorrido no Funchal e com quem tínhamos cortado relações. Assim quentinhas fazíamos crochet, pois o nosso dia-a-dia sofrera grandes alterações, longe estavam os cuidados com o jardim, tais como zelar pela nossa colecção de cravos preparar as sementeiras para encher de flores os canteiros na primavera, etc. na capital, como as nossas amigas lisboetas fazíamos crochet.
Casada de fresco transformei-me numa dona de casa eficiente, para os lanches havia sempre bolos e bolinhos e como a temperatura do inverno o exigia, substituímos o habitual chá por deliciosos licores.
Nessa tarde que agora estou a recordar, ocupadas com os nossos trabalhos manuais, fomos interrompida pela empregada que veio anunciar a chegada de duas senhoras, que nos aguardavam na sala. Óptimo! Fomos recebê-las com alegria, as amigas são sempre bem-vindas!
Ao vermos as visitantes, os nossos corações caíram ao chão, felizmente sem ruído. Era uma visita de pêsames !!!!! Duas amigas da minha mãe, protocolarmente vestidas para a ocasião, luto rigoroso nos trajes, nos adereços e nas expressões. A mais velha, vestia com elegância e usava um lindo chapéu preto, coberto com um véu salpicado de bolinhas pretas de veludo que ajudavam a esconder seus olhos terrivelmente extrábicos. A irmã vestia tailleur de alta costura, posso jurar, que era complementado por chapéu com voltas e laçadas de fita de cetim negro, como negros os melros que habitualmente saltitavam nas árvores do meu jardim.
“Embrulhamos” instintivamente a nossa jovialidade, mas nossas roupas parenteavam que nem um pouco estávamos a sentir mágoa pela falecida.
Entre amigas, um passado de bom convívio e companheirismo superou a nossa desintegração e falta de solidariedade para um acontecimento que deveria ter sido sentido com mágoa. “Senti-me nua na praça”.
À saída, depois de uma despedida cordial, logo que o elevador desapareceu, olhei para a minha mãe, descoroçoada com tanta inconveniência e disse – óh mãe, e agora!!!
A mãe, tomou o meu braço e calmamente respondeu-me – Agora vamos beber o nosso licorzinho!
Maria80
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
terça-feira, 9 de junho de 2009
Sonhos - para as minhas netas
SONHOS
Consultando qualquer dicionário, podemos concluir que “os sonhos são conjuntos de imagens que se nos apresentam durante o sono”. A sua explicação tem sido, de uma maneira geral, pouco concreta. Há uma canção, aliás muito conhecida que diz “ o sonho comanda a vida” e alguns dos meus sonhos de criança, jovem, mulher fazem-me pensar que na verdade foram comandados pela vida.
Que pensam disto, minhas queridas netas? A quem passo a contar alguns sonhos que me impressionaram tanto que jamais os esqueci.
- Rodeada de algodão, farrapos de nuvens envolvem-me e permitem-me, apenas com ligeiros movimentos dos meus braços de criança, voar com toda a facilidade. É tão bom subir, subir, espreitar as aves nos ninhos, dialogar com os pássaros. Lá do alto, as flores parecem tão minúsculas como aquelas que brotam das plantas silvestres, à beira dos caminhos. Que bom deixar-me levar pela brisa e que fácil é deslizar no espaço. Vislumbro a minha Quinta rodeada de árvores e, em pleno jardim vejo um lindo carro vermelho, a pedais, há muito por mim tão desejado, apresso-me a descer para nele dar um passeio. Caio da cama abaixo, já não sei voar, já não tenho carro vermelho!!! (sonho de criança).
- Danço com tanta leveza embriagada pela música, as valsas sucedem-se, como rodopio! O meu par não tem rosto, não sinto seus braços à volta da minha cintura, só um cheiro a mar prova a sua existência . Dançámos com frenesim de quem quer beber todos os momentos, sem nada derramar. A sirene de um navio toca ao longe, chamando todos os seus oficiais, o meu par escapa-se tão rápidamente que nem há despedida. Corro no seu encalço, segurando a saia do meu longo vestido de baile… acordo, olho para a minha mão e vejo-me agarrada à barra do lençol (sonho de jovem).
- Acarinho tuas mãos enrugadas, afago teu rosto marcado pelos anos, estendo os braços, quero apertar teu corpo franzino. Mãe…que bom estarmos juntas novamente. Aperto-te tanto, tanto, tanto, mas acordo de braços vazios (sonho de filha).
- Estou escondida, enrodilhada, na casca de um caracol, nem tenho espaço para tremer de medo de ser esmagada por um impiedoso, grosseiro, vulgar, reles sapato. (pesadelo).
- Corredores brancos, brancas as figuras de cabeça rapada que me rodeiam e olham inexpressivamente como se anormal fosse ter cabelo. Quero fugir deste sonho agitado mas os meus pés estão colados ao chão e a multidão de calvos aperta-me, oprime-me acorda-me; estendo o braço para o meu doente e afago seus cabelos prateados que não chegaram a cair? (sonho de esposa) .
- Porque choras? Quero entrar na tua tristeza. Com carinho te abraço e teus soluços vão fugindo assustados com a minha ternura. Assim abraçadas formamos um todo que se completa e está feliz. Nossa amizade renasce, sinto-a através dos poros e está tão presente que abro os olhos a recordar nosso passado alegre, por vezes triste mas sempre amigo (sonho de irmã). Levanto-me confortada com este sonho tão real, por acaso abro uma gaveta da minha cómoda e….. olho estarrecida para um papel, onde está escrita por tua mão tua assinatura completa. Esfrego os olhos, lavo o rosto com água fria, leio o releio o teu nome. Nunca, jamais compreenderei este mistério (sonho de irmã)
Reflictam nestas historietas, minhas netas queridas e escrevam vocês também algum sonho bizarro ou qualquer experiência que tenham vivido, assim, a pouco e pouco irão adquirir o prazer da escrita, nem que seja nos oitentas, pois como disse Jean Paul Sartre “é sempre tempo de segurar o tempo pelo rabo”.
Avó Tété
quarta-feira, 29 de abril de 2009
A Caligrafia
O 25 de Abril modificou a vida de muitas pessoas. Eu, por exemplo, trabalhava na hotelaria, mas vi-me obrigada a mudar de profissão. Fui procurar um velho diploma, que anos e anos rolara nas minhas gavetas e graças às minhas habilitações do Curso Comercial da antiga Escola Comercial e Industria António Augusto de Aguiar do Funchal, candidatei-me para o 12º grupo C Grafias que leccionava as disciplinas de Caligrafia, Dactilografia, Estenografia e Práticas de Secretariado. Como era principiante na profissão foi-me atribuído um horário de Caligrafia. Foi uma boa experiência.
O Alfabeto
Ensinar Caligrafia é geralmente monótono, mas foi um meio de angariar $$$ escudos, eu gostei! São lindos os traços, ora subindo ora descendo, como a vida nas suas vertentes.
O elegante A lembra amor, altruísmo. O F fascina-me, JJJ juntos, enfileirados, jovens que nos olham com vontade de aprender, meio de lhes dar outra perspectiva do Mundo e da Vida, ajudá-los a abrir novos caminhos, saber ser, além de conhecer, saber estar, como vestir, conhecer indispensáveis regras de etiqueta, servir com graça um café, enfim, preparar-se dum modo especial para a profissão de Secretária no vasto sentido da palavra.
Os Bês, traços finos para o alto, grossos na descida, lembram bêbado quando cai esparramado à beira dum muro, pode cair, pode morrer, se morre a urbe fica mais bela.
O I=& comercial é atento, cumprimentador, ligado ao O, tão castiço e ao G rico em curvas que lhe dão beleza, fazem-nos ler:
Obrigado,
Graça Gouveia
As letras ele há-as belas, as do alfabeto que nos permitem traduzir estados de alma, beleza, mas os eLes também podem ser falsos, podem traduzir lascívia, um olhar sujando uma bela manhã que devia ser limpa. As letras de câmbio são traiçoeiras, derrotam, matam, juntas podem perfazer metros e metros que conduzem à ruína. Eles leva-as o vento, para que um raio as parta.
Os algarismos são díspares, o 24 a recordar dia de casamento, o 25 que todos festejam, mas para alguns sinónimo de perda, prejuízo.
Os eNes, nuvens, afoguem as horas tristes e os eMes de maternidade, de irmã, venham iluminar a minha mente.
As minhas preferidas são os eFes tão deslizantes, arrematados por um laço lembram felicidade, mas o D é a minha predilecta, acrescento-lhe um discreto E, remato com um Us e aparece-me
DEUS
“Que faz da eternidade um só dia feliz” (in Liturgia das Horas)
MARIA80
domingo, 12 de abril de 2009
sexta-feira, 10 de abril de 2009
terça-feira, 7 de abril de 2009
Senhor Cardoso
O SR. CARDOSO
Como poderei esquecer o Sr. Cardoso! Homem que infernizou a minha infância com seus tratamentos, prescrições e doutos conselhos quanto à saúde.
Actualmente seria dietista, homeopata, osteopata, reflexologista e muito mais, mas no seu tempo era apenas o Sr. Cardoso – o massagista.
Tinha o seu ginásio na Rua do Bispo; estou a vê-lo louro, olhos azuis, braços musculosos cobertos de fartos pelos dourados que lembravam uma ceara madura.
Os seus pacientes tinham os mais variados padecimentos como variados eram os seus conhecimentos: um rapazinho muito débil, que quase nem voz tinha, após o devido tratamento cresceu, fortaleceu e no seu devido tempo…multiplicou-se; uma esposa que não gerava filhos…engravidou e deu à luz uma Joaninha, graças aos conhecimentos do Sr. Cardoso. Mais tarde, essa bebé, já mulherzinha, encantou os amantes de música erudita com sua voz melodiosa.
Minha irmã era uma magrizela, macilenta, as pernas rivalizavam com as da Olívia Palito; eu, baixinha entroncada, dizia-se em casa que saía à tia Filomena, que era muito “grossa”. Com exercícios físicos alimentação natural (que desgraça) crescemos normalmente e livrámo-nos duma “fraqueza” que era o receio e obsessão da nossa mãe. Mas principiou o tormento!
-Sopas cozinhadas à última hora, de agrião, beterraba ou couve, nabo e cenoura, tudo isto quase cru, para não se perderem as vitaminas.
- Banhos de mar a partir das 8 horas da manhã, cronometrados, exposição ao sol proibida, pois os excessos levavam muitos jovens ao sanatório. A minha mãe “bebia” estas sugestões e não cedia um milímetro. Assim as idas ao Lido faziam-se na frescura da manhã; por volta do meio -dia, quando regressávamos tristemente a casa, encontrávamos as amigas chegando radiantes com a perspectiva de um dia cheio de sol. Que raiva!!!
Depois do almoço era também obrigatório fazer repouso; vejo-me deitada no sofá, bem pertinho do relógio da avó, que ia marcando arrastadamente os minutos da meia hora que nos era exigido descansar.
- Constipações: meia chávena de sumo de cebola, em jejum.
-Gripes: água de pêro e cebola com sumo de limão, que deveria ser bebida de copo em copo ao longo do dia. À noite, para aliviar as dores do corpo, massagens com rodelas de limão quentes. Era de arrasar!
Mas agora, que sou octogenária, penso no Sr. Cardoso. Quem sabe se ele não corrigiria um dedo do meu pé, que teima em curvar-se servilmente ao meu sapato de marca o que me tira o prazer de passear na minha bela cidade?!
MARIA80
Parabens !!!
segunda-feira, 16 de março de 2009
O VAPOR - RIBEIRA DE ST. LUZIA
Nasci mulher e fui projectada para a luz pelas entranhas da terra, qual bebé escorregadio a sair do ventre materno; meu caudal é enriquecido por algumas pequenas levadas que se juntam a mim e, assim acompanhada, corro ao eterno encontro com o mar. Chamo-me Luzia porque banho a encosta da igreja do mesmo nome.O tempo não me marca distingo-o pela chuva, pela cor, pelo sol. Ao meu redor, aqui os verdes tenros das ervas singelas entram em rivalidade com o verde prateado das folhas dos eucaliptos ali, e com os verdes sisudos de uma nespereira que espontaneamente nasceu além, aproveitando um pouco de terra entre as pedras do meu leito. Não posso deter-me a apreciar a sua beleza pois o mar espera-me sempre com ansiedade.A minha água canta a saltar de pedra em pedra respingando gotas que são logo devoradas pelo sol. Aqui, uma pedra grande obriga-me a desviar, ali um pequenino promontório obriga-me a fazer cintura na minha descida, além grandes pedras que outrora as lavadeiras cobriam de roupa para secar. Aqui, uma aboboreira atrevida espreguiça-se com volúpia oferecendo descaradamente as suas flores amarelas hoje, aboborinhas amanhã, ali os gatinhos de uma ninhada brincam felizes sem desconfiarem do caudal do inverno que os irá tragar, além tufos de chapéus de feiticeira balouçam-se descontraidamente, embalados pelo vento.O meu deslizar constante aproxima-me da Ponte do Torreão e aí meu líquido coração liquefaz-se ainda mais cheio de saudades do “Vapor” e seus habitantes. Margem da ribeira? O seu corredor estreito, a cor vermelha com que foi pintado, dava-lhe o aspecto de casco de navio e, fosse por essa razão ou pelo seu formato esguio, certo é que todos lhe chamavam “Vapor”.Como recheio, um catre de ferro coberto com um colchão de palha aos mazarulhos (*) tão amarelecido e manchado pela humidade que nem o Trabalho desejaria ali descansar Um lava-Quem terá construído aquela casa de madeira, habitação de lavadeiras, escorada de margem amãos também de ferro, coxo com um velho espelho dependurado por um arame. Espaço, muito espaço para as banheiras que ao fim da tarde, seriam aí guardadas com a roupa lavada que o sol alpardinho (*) não tivera força para secar.Por baixo do”Vapor”havia no verão uma pequena represa feita na ribeira com os calhaus do leito cimentados a barro onde se empossava a água. Era a alegria da rapaziada, naquela água turva de sabão, escoada das lavagens ,nadavam, faziam pesca de eirós e até regatas de celhas, sentados ao fundo delas com os pés cruzados, servindo-se das mãos bem espalmadas para remar. Se acaso abalroavam, não havia perigo pois nadavam como peixes.Oh, “Vapor”, “Vapor”, porque não desceste até o mar para balouçares sobre as ondas?Porque te deixaste destruir pelas enxurradas?Molhada em lágrimas de saudade dos seus pequeninos companheiros, Luzia só deseja se abraçada pelo amigo que eternamente fiel a aguarda e, já nem olha para os alegres girassóis aqui, para os fetos além; corre, corre apressadamente, as cores quentes das buganvílias excitam-na e agora só deseja entregar-se loucamente ao mar.
Maria80
(*) - Vocabulário Popular Madeirense, Padre Fernando Augusto da Silva, edição da Junta Geral do Funchal, 1950.Fonte: Sarmento, Alberto Artur, in suplemento ao nº 4900 de O Jornal das Artes e Ciências e da História da Madeira, Funchal, 7 de Novembro de 1948.
segunda-feira, 2 de março de 2009
PROVÉRBIOS - SABEDORIA POPULAR
Viúva, na sua sala elegantemente bizarra, pousa sobre a prateleira da chaminé, um lindo cofre, contendo as cinzas do seu marido, que fora cremado.
Fim do ano 2002, após o feérico espectáculo na baía do Funchal a família brinda ao bebé 2003 que acabara de nascer. Toca o telemóvel é Hita a desejar felicidades à sua amiga madeirense e diz-lhe eufórica – estou a brindar à tua saúde, champanhe com com cinzas do meu marido!!!
“O 1º copo para a saúde
O 2º para a alegria
O 3º para a felicidade
O 4º para a loucura” Provérbio da Bulgária
A fechar estas estórias deixo um repto, baseado também na sabedoria popular – escrevam, minhas amigas, escrevam porque:
“FERRO QUE NÃO SE USA GASTA-O A FERRUGEM”
“QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA”
domingo, 1 de março de 2009
PROVÉRBIOS (continuação)
HISTÓRIAS VERÍDICAS
(continuação)
Manuela e Ramon, mãe velha e filho esquizofrénico, viviam pobremente numa casa a desfazer-se. No inverno os tectos descascavam-se mais e mais, dando passagem à chuva que se infiltrava por todo o lado. No verão era uma apoteose de pulgas e baratas que alegremente circulavam entre as poeiras e o lixo. No mísero quarto de dormir uma dúzia de relógios martelavam o tempo para o apressar.
Última desgraça para coroar uma vida cruel: entupiu-se a sanita, que durante anos e anos, fazia esforços para cumprir a sua missão
Como resolver este grande e inadiável problema? Fácil! Mãe e filho foram comprando grandes bidões de plástico, que dia a dia iam enchendo com as fezes, bidões esses que eram guardados metódicamente na cave. Quando o cheiro insuportável, subiu, subiu, até às casas vizinhas , foi pedida uma vistoria camarária, que encontrou, enfileirados, nada mais nada menos que 137 recipientes cheios de perfumado conteúdo.
“QUEM NÃO POUPA NEM HERDA SÓ TEM UMA POUCA DE M…”
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
NATAL 2008
NATAL 2008
O Advento coloca cada um de nós cristãos na expectativa da chegada do Senhor. Faz-nos viver um tempo de profunda reflexão e transformação de vida, em virtude do Senhor que vem. Ele veio, Ele vem , Ele virá. Veio na Encarnação. Celebramos isto no Natal. Maria 80 deseja a todos os amigos cibernautas BOAS FESTAS.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
AS MINHAS LEITURAS
AS MINHAS LEITURAS
Vejo-me sentada num maple castanho, no escritório do meu pai, com um livro sobre os joelhos – ainda não sabia ler – mas o desejo era tanto, que folheando e apreciando as ilustrações, eu, embevecida inventava a sua leitura.
Agora, vejo-me em passo largo a aprender a ler com a minha avó, na Cartilha João de Deus. Depois foi um salto para iniciar as leituras infantis: “ Os desastres de Sofia”, que muito me afligiram por causa do banho quente dado à boneca de cera, “As meninas exemplares” também da Condessa de Ségur…mas aquelas que mais ficaram gravadas na minha memória, foram algumas da autoria de Monteiro Lobato, deste destaco: “A história do mundo para as crianças” “A geografia de D. Benta” “Aritmética da Emília”, D. Quixote de la Mancha para as crianças” de que guardo, particularmente, o modo como o Sancho Pança comia – nacos e nacos de carne desapareciam no canudo das goelas…”. Claro, D. Benta, Narizinho, Pedrinho, o visconde e a Emília viveram também comigo.
Já adolescente, os livros de Philips Openheim tornaram-se-me inesquecíveis. Decorriam na alta sociedade londrina, algum tempo antes de eclodir a 2ª guerra mundial. As personagens, espiões de alto nível, tinham entre si um relacionamento moderno, descontraído, de flirt de amor subtil, que me deliciavam mais do que as aterradoras expectativas de guerra.
Mulherzinha, com Max du Veuzit e M. Delly, passei a viver em ambientes diversos: palacetes, quintas, encarnava-me em donzelas ingénuas, puras, que se apaixonavam “à la folie” por belos fidalgos, orgulhosos, taciturnos, inatingíveis. De M. Delly, recordo um jovem de nome Arpad, que era tão deprimido, que os jardineiros, todas as manhãs, percorriam os jardins do palacete, para apanharem as florinhas das planta silvestres que no seu modesto colorida, entristeciam ainda mais o jovem proprietário.
E com estas leituras tolas mas para mim encantadoras, talhei o meu perfil ideal – queria um homem bonito, melancólico e muito romântico – e encontrei! Mas Max du Veuzit nunca descreveu o percurso desses amores na estrada da Vida a dois, esqueceu de assinalar as célebres frases proferidas no acto nupcial…prometo-te amar, honrar e obedecer na saúde, na doença, na riqueza, na pobreza na alegria e na tristeza… jamais se referiu ao que eu chamarei de CAMINHO, com as suas voltas, curvas, subidas, descidas e tombos também. Cheia de sonhos, enquanto bordava o meu enxoval, tirava sempre tempo para a leitura. Alexandre Dumas: “Os três mosqueteiros” “O Visconde de Bragellone” “O colar da Rainha”… Como desejei empurrar o Cardeal Mazarino e a bela Milady com a sua rosa tatuada nas costas, pelo inferno adentro! Inesquecível também, o banho do velho Thibault numa tentativa de lhe salvar a vida, e onde é descrito com grande realidade o seu velho corpo já decrépito.
Agora, mulher amadurecida, trilhando um caminho sem flores, monótono, triste, os livros foram o meu cajado. Devorava-os: os nossos clássicos, “A prima Raquel”, com os seus chás medicinais, “Rebeca” “O Arco do Triunfo” “A Pomba” “Mr Sommer”, “O jardim de Alla” e muitos outros me ajudaram a e evitaram que me sentasse numa curva do meu árduo caminho.
Mas não há mal que sempre dure, e vem o tempo em que lia para apreciar e não para entorpecer. As idas para férias para o Porto Moniz são imemoráveis. Verões e verões com os amigos SOL, MAR e LIVROS. No WW atulhado de malas, sacos e mantimentos Eça de Queiroz tinha lugar cativo. Margaret Mitchel (E tudo o vento levou), Franz Werfel ( A canção de Bernardete) e mais outros preferidos, já lá estavam à minha espera. E a propósito do Eça, estava eu, uma tarde, comodamente recostada, no meu balcãozinho donde se desfrutava uma bela vista do mar – entra na minha cozinha um gato esfomeado e comeu a carne que estava para ser guisada, para o jantar! Claro! Quem pagou foi o Eça
Mas, agora, recordando algumas das minhas leituras, reconheço que Max du Veuzit inculcou em mim uma hiper-sensibilidade que me levou à leitura dos Salmos de David (Desperta Senhor, porque dormes? Desperta e não me rejeites mais para sempre…) pois deste modo, sentia-me em união com a minha mãe que se entristecia muito com a minha ausência. E mais, como me empolgava quando a mãe, quase no fim da vida ainda recitava Cyrano de Bergerac falando à Roxane sobre a ternura dum beijo:..( un point rose qu’on met sur l’i du verbe aimer; c’est un secret qui prend la bouche pour oreille;un instant d’infini qui fait un bruit d’abeille;une comunion ayant un gôut de fleur…).
Hoje, reformada, livre, livre de trabalhos, cuidados, deveres, só faço o que me dá prazer…ler, é claro, é uma das principais opções.Ler, conhecer novos escritores que eu ignorava por completo. Apaixonar-me por Peixoto (…durante meses não sobreviver. Depois, muito devagar, como um vício que se recupera, fui encontrando pedaços de mim…) E Alexandre o’Neil (… um hoje que nunca é hoje, um amanhã que já é ontem…) Kalil Gibran (…quem me dera que pudesseis viver do perfume da terra e sustentar-vos como as plantas apenas de luz…).
E tenho ainda muitos outros à minha espera!
Que Max du Veuzit não sinta ciúmes.
Teresa
A casa da minha amiga Paz
A CASA DA MINHA AMIGA PAZ
Quero falar da minha amiga Paz, com quem convivo quase diariamente, com paciência ouve-me, compreende-me, acompanha-me. Por vezes afasta-se, mas volta sempre, cada vez mais amiga, mais transparente.
Só agora me convidou a ir a sua casa, lá no alto, no meio das montanhas. Preparo-me para a visitar, mas primeiro acomodo a Inquietação, muito confortavelmente, não vá ela fazer-me a partida de lá ir ter comigo. Levo o Riso pois sei que a Paz vai gostar da sua presença.
Após um percurso ziguezagueado, vejo-me em plena serra , com aquele perfume que lhe é peculiar de folha abandonadas, feiteiras, pinheiros, velhos troncos que a humidade persistente apodreceu. À minha frente um semicírculo de árvores, que, como um biombo verde dá intimidade a tanta grandeza.
A Paz chama-nos lá do alto e subitamente encontramo-nos na sua casinha, tão confortável, coberta de agulhas carinhosas, como um grande ninho feito de amor . O Riso debruça-se logo para se divertir com os coelhos fugidios, os pássaros que casualmente passam sobrevoando o arvoredo. O Ar é puro e leve, lava-nos os pensamentos, arrasta-os consigo. A Paz ensina-me a viver no seu mundo: ouvir o silêncio, entregar-se ao balanço do vento, olhar o mar distante, esquecer tudo o que poderia causar perturbação. Não trocamos palavras, de mãos dadas, deixamo-nos embriagar pela paisagem que nos rodeia e que vista lá do alto é tão ela e cheia de luminosidade.
Sob os telhados escorregadios adivinham-se s pessoas ocupadas nas lides do dia a dia. Sorrimos com cumplicidade, porque na verdade somos seres privilegiados, sem compromissos, sem obrigações.
Mas alguém nos chama lá de baixo, espreitamos curiosas, é o Apetite – desçam, uma Abelhinha diligente preparou-vos uns petiscos deliciosos -. Descemos para saborear a merenda.
O tempo vai-se afastando e quase sem darmos conta da sua fuga, já o Sol ns pisca o olho, fazendo sinal que quer dormir.
Despeço-me da minha anfitriã, da Paz e do Riso, acompanha-me a Saudade, para recordarmos juntas um dia feliz.
O Nevoeiro cerimonioso vem apresentar-nos os seus cumprimentos de despedida;
Adeus
Nevoeiro amigo
Adeus
Maria80
uma visita
Bicadas sucessivas na minha cabeça acordaram-me de um sono profundo, três corujas com seus sábios olhares chamaram-me veementemente:
- Acorda, acorda, este hábito que os muggles têm de dormir fá-los perder momentos de magia.
Inexplicavelmente vejo-me junto da vitrine dos meus sapatinhos,
Uma bruxa desdentada, com a ajuda da sua vassoura, abriu-me as portas de par em par, barreira que me separava dos meus amiguinhos. Harry com a sua varinha mágica dá-lhes vida; seres liliputianos calçam os sapatinhos à sua época e imagem.
Entusiasmados e eufóricos, vieram todos ao meu encontro num desejo de quebrar o silêncio que há vários anos os aprisionava.
Os anjos de Sévres, arrastando sua grinalda juntaram-se ao anjinho solitário e sobrevoaram-me alegres com sua liberdade.
Validoso por ter sido o primeiro da colecção, o sapato verde recorda a minha ida ao sótão onde o encontrei dentro de um velho baú.
Uh, uh, acenava-me o tinteiro pondo de lado a tristeza da sua inutilidade.
O gato feliz nem se esforçava para apanhar o rato.
O paliteiro correu para cima da mesa de jantar para ocupar o seu posto.
O mensageiro do amor veio até mim a fim de eu poder ler o recado apaixonado que transmite.
Damas gentis tudo pisavam com seus sapatinhos de salto.
As botas, cheias de botões faziam inveja à Juliana do primo Basílio, que certamente as iria exibir em algum jardim público.
- Vim da Índia!
- Sou um Cowboy!
- Vim de Israel!
O meu avôzinho, com sua bota de elástico aproximou-se da caixinha de café para cheirar uma pitada.
Os artesanais sentiam-se discriminados, mas a figurinha do Tosco, realçou perante todos a arte dos barristas que os moldaram.
Aproveitando a confusão o vagabundo de Paris põe-se a recolher esmola, um hábito que anos de inércia não fizeram esquecer.
Procuro Harry para lhe agradecer tanta magia – Só tu querido feiticeiro, poderias por a comunicar tantos seres, oriundos dos mais variados pontos do globo. Ele olhou-me com amizade e, ajustando seus óculos, enrola-se em sua capa e prepara-se para fugir acompanhado por seu amigo Hagrid.
Antes que se acabasse a fantasia aproxima-se de mim o charutinho:
- Lembras-te de mim? Fui comprado numa tabacaria por um parzinho de namorados!
- Jamais te esquecerei, respondi pegando-lhe com muito carinho!