segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A ALDORA



A ALDORA
Encontrei-a hoje no Funchal, a Aldora, a minha Aldora. Abraçámo-nos efusivamente, seus olhos negros, sempre expressivos derramaram ternura, suas rugas que marcam uma longa vida, distenderam-se num sorriso jovem e gaiato.
Mas quem é esta boa amiga que me trás tantas e doces recordações da minha infância?
É natural do Monte, onde sempre viveu e vinha para a nossa casa, como empregada doméstica nos períodos de transição de criadas; estava sempre disponível para remediar uma situação de mudança de pessoal.
Eu, criança, à volta dos dez anos, ela com os seu vinte, dávamo-nos muito bem. Ao fim da tarde, muitas vezes, acabada a lida caseira, íamos para o quintal, se era tempo das canas de açúcar chupávamos gulosamente, pedaços e pedaços de cana, à velocidade de um engenho, escolhíamos especialmente a qualidade P O J que eram as mais doces e tenras. Fecho os olhos e sinto novamente o paladar e a frescura do suco das canas sacarinas.
Em dias de vento corríamos de braços abertos pelos longos passeios do quintal, éramos vento, respirávamos vento, soprávamos como vento abanando as árvores que pacientemente se deixavam desfolhar.
Mas, o que mais recordo da minha Aldora foi um grande acontecimento da sua vida: a sua nomeação para Mordoma da Festa do Monte. Tal nomeação dava estatuto mas também obrigações. Era de bom tom que as mordomas “tirassem” três vestidos novos: um para a véspera, outro para o dia da Festa e o terceiro para a segunda-feira seguinte, dia de fazer contas.
Claro que acompanhei de perto todos estes projectos. Era preciso fazer roupa nova, de dentro para fora. Aldora começou a preparar a roupa interior; para a combinação comprou um tecido cor de rosa choque, que nessa época era inaceitável, no qual foi bordando, nas horas livres,uma barra de “viuvinhas”.
Eu olhava extasiada com a rapidez com que as florinhas apareciam bordadas. Ela tinha uma bola de linhas de bordado Madeira de todas as cores possíveis e, estou a vê-la, puxava uma linha, à toa sem preocupação de cor ou tom, e a linha rapidamente já era viuvinha”.
Mas dos três vestidos o mais importante era aquele que seria usado no dia da Festa e da procissão. Esse foi confeccionado em seda “georgete” castanha e como complemento da toilete, chapéu de palha da mesma cor enfeitado com duas rosas cor-de-rosa.
Escolhidas as roupas iniciou-se a segunda fase: o momento exacto em que Aldora, em carro aberto, iria passar por debaixo da janela da casa onde viviam as suas futuras cunhadas, irmãs do José seu namorado, que viviam na nossa rua logo abaixo da quinta Sarmento, esse era o factor de maior relevo do que a Festa propriamente dita e era seu maior desejo causar às espectadoras sentimentos de inveja, assombro e admiração.
Alinhar à esquerda
Vivia também em Sª. Luzia um chauffeur de praça, o Galo Tonto, que era proprietário de um carro grande, próprio para passeios turísticos e que com a capota descida permitia aos passageiros verem bem e serem vistos, foi esse o carro escolhido.
Mas S. Pedro não gostou deste desejo que poderia levar almas cristãs ao pecado e na manhã do dia 14 de Agosto, em pleno verão mandou nevoeiro e chuviscos. Nestas condições atmosféricas nunca soube se o desejo, tão, tão desejado pela Aldora se concretizou e em que condições chegou à Igreja do Monte, no carro aberto do Galo Tonto!!!
Maria 80

2 comentários:

Anónimo disse...

Um espectáculo !!!

Carolina disse...

Quem será este anónimo???Eu também achei um espectáculo!!!!