domingo, 24 de janeiro de 2010



UM JANTAR DE SUCESSO

A hora do jantar aproxima-se, o grande father puxa ritmadamente os minutos para que se façam horas.
A sala está resplandecente, as luzes dão relevo e beleza às peças antigas expostas em antigas mesas e estantes. Os antúrios artisticamente dispostos, gritam com a sua cor contra as sombras dos recantos. Uma sonata de Beethoven, quase em surdina, embala os bisavós, cujos quadros emoldurados a ouro testemunham a ancestralidade da família.
Ela, a dona da casa, olhou em seu redor, cansada, mas feliz, como um atleta a cortar a meta.
A NOITE TINHA QUE SER UM SUCESSO
Eis que chegam os convidados. O prazer do encontro, a alegria de receber e ser recebido, a conversação animada, fluida, simpática, fazendo esquecer a cerimónia que o relacionamento impunha. Os whiskies, os aperitivos escolhidos com esmero, os risos, as quase brejeirices criavam um clima acolhedor.
UM SUCESSO
O jantar vai ser servido: a entrada deliciosa da qual não apetecia sair, o prato de peixe perfumado com ervas aromáticas, lembrando o campo onde tinham sido colhidas; o gelado de limão, divino, preparava o paladar para as carnes, estas acompanhadas por souflés de queijo, fiambre e legumes variados, arrancados a contra gosto das hortas que lhes deram vida e cor. Os vinhos – O branco, vivo no aroma, com um leve toque tropical, cheio de frescura incomparável, porque servido a preceito – 13ºC. Tinto – com aroma de frutos maduros, uma frescura e acidez bem equilibradas, envolvente na boca, claro, tudo isto a 18ºC. O Madeira que não chegou a ser servido, notável pela sua estrutura aromática, lembrando passas e baunilha, austero, de longo curso, de difícil escolha – beber ou guardar?
UM SUCESSO
A dona da casa envaidecida com o requinte do serviço, desejosa de receber um olhar de apreço, olha para o marido, que nesse momento exacto, engasgado, está a levantar-se com ruído e sai precipitadamente da sala. Era impossível disfarçar o sucedido, caiu nos convivas um silêncio tumular. Ela, a mulher, vai ter com o marido, que lhe diz dramaticamente – engoli a minha prótese com três dentes. O ambiente congelou. O pudim, receita conventual, foi esquecido. O velho Madeira, que não foi saboreado, irá continuar serenamente o seu envelhecimento.
UM INSUCESSO
Como superá-lo? Sómente meditando nas doutas palavras do sábio monge Zen Riokan, que há longos anos disse – Quando te encontrares com a infelicidade é bom encontrares – te com ela e eu acrescento na mesma linha – quando te encontrares com o insucesso é bom encontrares-te com ele.

Maria80

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Você gosta de música Clássica???


O Natal está a chegar, é tempo de fazer alguns docinhos. Fiz areias que já estão no forno a cozer.

Para evitar que se queimem, sento-me em frente do fogão para controlar a sua cozedura. Lógico, sempre que me sento a minha gata Eva salta imediatamente para o meu colo, é sossegadinha e a sua calma deixa-me meditar. No tabuleiro, as areias, há pouco informes estão ficando arredondadas e perfeitinhas, comparei-as com as crianças, que no calor e amizade dos pais, também se deixam modelar. E todas estas reflexões para eu poder compreender porque gosto tanto de música clássica.

Lá em casa, os meus pais conversavam e ouviam boa música, por vezes um trauteava qualquer melodia para verificar se o outro adivinhava o seu nome e o do autor. À tarde, muitas vezes, sentavam-se no escritório a ouvir óperas nos velhos discos de vinil. E nós, raparigas, ao subir ou descer as escadas da nossa velha casa ou ao percorrer os seus longos corredores, apanhávamos alguns trechos das músicas que pairavam no ar.

Mais tarde casei, nasceram filhos e a música já era outra. Algumas raras vezes que apanhava na televisão, algum programa musical mais selecto, logo o meu marido perguntava-me: - estou na oficina do mestre Carlos?

Mas, marido na eternidade, filhos casados, estou livre para escolher os programas que mais aprecio e vingo-me assim.
Graças ao canal Youtube tenho ao meu dispor tudo o que gosto e aprecio ouvir. Sempre acompanhada pela Evinha passo tempos indeterminados a "saborear" os belos acordes que incrívelmente sairam da alma dos compositores. Estava, uma vez extasiada com a 5ª Sonata de Beethoven , tum tum tum tum, a gatinha acordou e olhou para mim intrigada. Evinha disse-lhe eu - não te perturbes que é o destino a bater à porta deixemo-lo entrar, tum tum tum tum.

Ao som destas maravilhosas melodias, sinto-me como o rapaz da história infantil que subiu, subiu, bem ao alto do feijoeiro, que lhe nascera no quintal, eu também trepo, trepo e lá no alto deixo-me balançar, prosaicamente, com os feijões a me roçarem o rosto.

Voltando à minha mãe, que me conduziu por este caminho, ela gostava não só de ouvir, mas tinha gosto em transmitir, e nesse sentido, levava por vezes, para a cozinha o antigo gramofone e respectivos discos, numa tentativa para cativar as criadas para a boa música. As pobres ignorantes que só conheciam as músicas das bandas dos arraiais, no entanto, ouviam pacientemente a lição cultural que lhes estava a ser dada.

Anos mais tarde, encontrei uma antiga criada da minha mãe, que me disse: Que saudades eu tenho da Sª. D. Dora e das músicas que nos ponha a ouvir, Credo! Abrenúncia.!

Eu própria, tentei uma vez, levar as minhas netas pequenas a um concerto ao Centro de Congressos, o programa era convidativo - Zarzuelas e bailados espanhóis. A minha neta mais pequena, foi ouvindo, foi ouvindo calmamente e por fim exclamou: Avó, tenho fome! Respondi-lhe: Minha filha, para um concerto não é costume trazer a cesta do pic-nic.


Maria80