quinta-feira, 29 de julho de 2010

A vida...com vestidos


A vida . . . com vestidos
Chegou o meu octogésimo terceiro aniversário natalício, o que significa que já vivi 30 295 dias, o sol cumprindo a sua missão: nascer todas a manhãs e recolher-se ao fim de cada tarde. Reflecti, quantos vestidos usei nesta fila infindável de dias, qual manifestação sindical? Em que vestido me alegrei? Sofri? Consoante os acontecimentos da vida. Penetrei nas brumas do passado e foi possível recordar alguns.
A Escola primária
A minha infância foi muito feliz, tinha um quintal grande para brincar, correr. Gostava muito de cozinhar no meu fogãozinho de folha cor -de -rosa embora a receita fosse sempre a mesma: couves cozidas com tomatinhos de lagartixa, que agora se vendem nos supermercados com o nome requintado de “tomate cereja”.
Um longo mirante onde me debruçava horas e horas a ver passar, ininterruptamente, carrinhos de cesto, transportando turistas, na sua maioria alemães, que viajavam em excursões denominadas Alegria do Trabalho, no tempo do Hitler. Como vivia próximo do cemitério de Sª Luzia via passar muitos funerais, que me inspiravam a enterrar, com muitas flores, passarinho ou abelha que encontrasse mortos no jardim. Também gostava muito de ir para a cozinha escutar as histórias da criada da minha avó, a Josefina, que me falava de factos ocorridos nas outras casas onde trabalhara, suas rezas: Pedro e Paulo foi a Roma e o Senhor o encontrou, Pedro e Paulo donde vens? –Senhor, venho de Roma, Pedro e Paulo o que lá há? – Senhor muita “zerpela”, volta lá Pedro e Paulo, toma palma e oliveira e cura desta maneira: ó “zerpela” maldita quem te deu essa morada? Foi o vento foi a neve foi a grande tempestade. – Vai-te “zerpela” maldita, vai para o fundo do mar onde não oiças nem galo nem galinha cantar nem bicho d’apavoar. Meu pai arreliava-me pelo facto de eu estar muito tempo na cozinha e então dizia – esta pequena vai ter mentalidade de sopeira.
Mas chegou o dia fatídico de entrar na escola primária. Aos dez minutos para as 14 horas , com um vestido de tobralco branco com moranguinhos vermelhos, descia eu a Calçada da Encarnação, pela mão da criada. O relógio da Sé tocava uns repiques que me causavam um desespero surdo, adivinhando o sofrimento que me esperava – aprender a Ler - como desejei tanto continuar a ser ignorante mas que não me tirassem os meus hábitos e brincadeiras; lágrimas, morangos, saudades da minha mãe, tudo envolvido em mais lágrimas; Como quereria estar nesse momento a ver o trabalhador da fazenda a cavar semilhas, a ouvir o ruído molhado do machado a cortar os troncos das bananeiras!

CORRE TEMPO, TEMPO CORRE, CORRE, CORRE…

3 comentários:

Anónimo disse...

Um dia, quando for grande, quero ter tempo para escrever assim as minhas memórias e partilhá-las consigo...

Emília disse...

Anónimo!!! Era só o que faltava.Teclei errado, sou eu, a Maria Emília ;D

Joana Homem da Costa disse...

Fantástico este texto!! Que capacidade que nos fazer reviver histórias passadas como se estivessem a acontecer neste momento :)