terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Alberto Artur Sarmento


O Diário de Notícias do Funchal, publicou, há já algumas semanas, um artigo sobre o escritor madeirense acima mencionado:
“ O Tenente-Coronel Atlberto Artur Sarmento foi um dos mais prestigiosos intelectuais madeirenses da 1ª metade do século XX…” esta notícia fez-me recordar um ente tão querido. Tem uma obra vastissima, acerca de assuntos vários sobre Naturismo, História Insular,Folclorista etc.
Era eu criança e fiz-lhe o seguinte pedido – Tio escreva um livrinho de historias porque esses assuntos científicos não são para a minha idade. Mais tarde foram editados dois livrinhos de contos dedicados a mim, sua sobrinha: Quadros sem aro e Folhas ao vento, dos quais eu seleccionei um, que passo a transcrever:

NEVOEIROS DE VERÃO

Leve, corriqueiro, corre veloz, pelo estio, o nevoeiro.
Nasce em vapor de água, insubmisso, no bafo da atmosfera, frequente nas regiões altas, em saturação. Ligeiro, esfria, condensado, em poeira liquída, nas minúsculas gotinhas suspensas, de tão fraca densidade, que se unem em cortina e o horizonte se acanha, então, fusco, tapado, como núvem tombada e de arrasto pela superfície, na extensão que véda, translúcida, logo apertada, opáca, quando mais se concentra, e a distância é pouca no arrenégo da visão toldada.
Êle aí vem, o nevoeiro, por entre o pinheiral cerrado, rasgando gazes, em farrapos pela ramaria. Côa-se, desvanece, engasgalha, escorre, foge, resoluto e submisso, à direcção da aragem.
Estende-se, encosta abaixo, para marinhar acima, pela ravina oposta. Mergulha e sobe, volúvel, pelo vale aberto.
Arranha fiandeiro, emaranha, mas discorda, abranda e se esvai.
Além, um outro nevoeiro mais velho, escapado por detraz dos montes, vindo a espreitar a portela, desiquilibra-se e tomba, em cascata de algodão. E assim mais afoito, mais leve, menos denso se impõe, mas, a fugir se cansa, e se dissolve, desistindo da perseguição.
Nevoeiro espalhado pela zona saturada, é um lençol aos rasgões, em cama de gente pobre, rôto, onde houve briga na acomodação e se fez a paz, quando o sono veio pesado.
Visto de cima, duma eminência, não longe, as rochas dos cabêços degolados, caras porém prazenteiras, escanhoados os montes soerguidos, sôbre a espuma de sabão em flócos brandos.
Aquietado o panorama é êsse, como se alguém tivesse visto o primitivo dos tempos geológicos da paísagem oceânica, inicial da formação das Ilhas emergidas de dôrso à-flor, incertas de base, sem consolidação, a formar recortes de pontas e promontórios, arquipélagos esparsos, mal compostos.
O sossêgo não dura, é certo. Há quebradas e ligações, repulsas nas afluências bipartidas, onde se formaram enseadas e baías, em requebros inquietos,e tudo isto efémero, rolante, suspenso, elevado entre nuvens atribuladas, mudas, branqueando indecisas, sem atinar numa finalidade.
A névoa vai, depois em desgaste.
Raleia na espessura, desfaz a touca apertada de fólhos, destramando o fio pela malha frouxa, inconsistente.
O sol não quere brincos, assim a fingir de lua pálida, constrangida, nem tão pouco, fazer de judeu amortalhado, envolto em váras de linho, formando um embrulho volumoso. Ressuscita, desperta, olha tor um ralo aberto, radiante, em disco de oiro
Retoma calôr, esgarça, repele a mortalha, avança, dissolve e varre, mostrando o dossélde setim luzente no céu de anil.
De joelhos, o nevoeiro cabisbaixo, no sopé dos montes, pede perdão das ousadias da sua água em pó. Recua, foge, chora, sacudindo aljofres sôbre a terra, gôtas de orvalho, bêbedas de luz, água fecundante que se transforma, depressa, em seivas e frutos na grande retorta da Natureza.

1) Alberto Artur, Quadros sem aro, Desenhados à pena na Ilha da Madeira, Funchal, MCMXLIV, Tip. Eco do Funchal, pag. 8t

Sem comentários: