terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Oscar II

autor da foto: Joana Homem da Costa

Há já alguns anos que faço parte do Departamento dos Professores Reformados organizado pelo Sindicato de Professores da Madeira. São variadas as actividades, entre elas, aulas de leitura e escrita cujo programa consiste no estudo das obras dos nossos escritores clássicos e contemporâneos e também incutir nas alunas o gosto pela escrita. Passo a transcrever uma história que narra a chegada à minha casa, do Óscar, meu amigo cão

EU, ÓSCAR…

Arrancado do seio de minha mãe, deixaram-me atrás de um portão de ferro, cuja frieza me trespassou. Inconsolável, senti-me perdido num mundo desconhecido. Chorei, chorei, com saudades da minha progenitora; apareceu uma cadela negra que olhou para mim indiferente aos meus lamentos, e, como era surda, não soube consolar-me.

CORAÇÂO IMPIEDOSO

Meus ganidos desesperados chamaram a atenção das moradoras da casa onde tinha sido abandonado, vieram ao mau encontro e logo me senti beijado, olhado com ternura, várias mãos me afagaram, até que, consolado deixei de soluçar. Como prometeram acolher-me, aos poucos senti-me confiante.

CORAÇÕES GENEROSOS

Assisti pateticamente a uma troca de impressões sobre o nome que me deveria ser atribuído. Nabuco? Celso? Cognac? Óscar foi o escolhido.

CORAÇÕES ORGANIZADOS

Tenho três protectoras que adivinham meus desejos e me olham com amizade, mas sinto maior ternura e um certo paralelismo por aquela, que tal como eu, tem os cabelos pretos manchados de branco! Tenho-lhe tanto amor! Como me cuida! Até me serve as refeições na minha casinha, em dias de chuva.

CORAÇÃO GENTIL

O meu mundo visto cá do rés-do-chão é tão simples e tão tranquilo!
Tenho um quintal para vigiar, flores para estragar, gatos para amedrontar, de um modo especial o Melão, que lá por ser de raça pura, olha para mim, que sou rafeiro, com superioridade

CORAÇÃO ARROGANTE

Mas agora que estou instalado, desejo conhecer a vida dos colegas que me passam à porta. Arranjei um amigo com quem converso de quando em vez. Pergunto-lhe – aí pelas ruas, o que comes?
- Mal, responde-me ele, o que me aparece pelo caminho!
-Não tens um tacho onde comer? Questiono confrangido.
Há quem tenha tachos sempre cheios, mas em grande escala vagueiam por aí, muito desprotegidos, tristes com a sua pouca sorte!

CORAÇÕES INFELIZES

Continuo o diálogo – diz-me, conta-me, situa-me nesta terra, eu vivo num jardim, e vocês? Ah, a Madeira é um jardim imensurável… Jardim e mais jardim.

CORAÇÕES COLORIDOS

- Gostaria de passear contigo, mas a minha dona não me autoriza. Por onde gastas os teus dias?
- Passeio pela cidade vou ao cais, à marina, ao porto, gosto de ver descarregar os contentores. Ena! Tanta comida, faz-me crescer água no focinho, é pena não chegar para todos!

CORAÇÕES ESFAIMADOS

- Sabes, há dias saí de carro, fui ao veterinário com a minha dona, ela chamou um táxi grande, bestial, quando passávamos muita gente nos olhava.
- Ah, eu sei, conheço essa traquitana, é o carro do Sr. Leonel, um carro para transportar doentes em cadeiras de rodas, isso é uma anedota. Sabes lá o que são carros de luxo!
que andam por aí! Há alguns até com bandeirinhas a tremular ao vento. Têm todos os requisitos para dar conforto e bem-estar a quem neles viaja.
-Têm uma planta para se levantar a perna?
-És um idiota e não tenho mais paciência para aturar tanta ignorância, vou-me embora.

CORAÇÃO IMPACIENTE

Óscar pouco se preocupou com a partida do amigo, tinha tanta coisa a fazer, ladrar aos melros pretos que saltitam nas árvores, ladrar para a velha vizinha, só para a irritar e ouvi-la dizer em voz fanhosa:
-Cala-te, Óscar, que já me dói a cabeça!!!


“O cão faz ão ão é meu amigo como os que são”

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