terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Travessa de São Luis


A Quinta Sarmento em Sª. Luzia, onde nasci e vivi largos anos, era limitada ao norte pela Trav. de S. Luís.
Apesar de ter feito algumas sondagens não me foi possível saber, porque entre a corte celestial foi escolhido S. Luís para a toponímia da minha Travessa.
Solitária, então, ladeada por muros de propriedades agrícolas em cujos rebordos caiam verdejantes as ramas das batateiras em luxuriosa abundância, muros de quintas, casinhas modestas escondidas entre o arvoredo das fazendas. Muitas vezes enlameada pela água das regas, que nos seus giros encharcavam os poios e também a triste rua.
Em frente à nossa porta de serviço, junto ao terreno do vizinho ‘Bacalhau, juntava-se, habitualmente uma grande poça que se cobria de lodo e para a qual, saltavam em animada excursão, algumas rãs do nosso poço, ali perto, por detrás do muro.
Os transeuntes, eram sempre os mesmos, alguns esporádicos pares de namorados que
Desejavam usufruir da pacatez da minha travessa para suas conversas e fugazes carícias.
O Sr. Luís de foice ao ombro, dono de uma fazenda onde ele criava cabras, seguido pela mulher que nunca ousava caminhar a seu lado, sempre atrás, a Sª.Gomes e sucessivamente os cinco maridos (quem a enterrou foi o ‘Papo Roxo que por não ter dinheiro adiou três dias o funeral), o mestre Milho, que era sempre muito regular nas suas passagens. À tardinha, lá vinha ele acompanhado por uma mula velhota que puxava uma corsa carregada com várias latas de beberagem que ele ia recolhendo, de porta em porta dos vizinhos, que à sua maneira colaboravam para a engorda dos porcos.
Há anos atrás, as vendas ou mercearias vendiam tudo a retalho, inclusivamente o petróleo. Este era distribuído aos negociantes em latas quadrangulares e, citando Alberto Artur no seu livro ‘Redemoínho de Folhas ‘…´A lata de petróleo, depois de vazia e com o tampo cortado, tem várias utilidades, e até serve para lagartixeiro ou armadilha para apanhar lagartixas que tanto dano causam às uvas e frutos maduros, mas o seu emprego mais vulgar é como reservatório ou vasilha da buburage, para o porco, a dentro da qual são lançadas as águas gordas da cozinha, provenientes da lavagem das panelas e dos pratos que serviam às refeições, sobejos da comida e cascas de fruta, a que por vezes se lhe adicionam sêmeas para a engorda do suíno…. Junto às cozinhas marcavam o seu lugar a fim de não se desperdiçarem os restos das refeições.
À noitinha não passava ninguém e por esse motivo eu e o meu namorado escolhemos a Trav. de S. Luís para os nossos diálogos de amor; aí, o muro da nossa propriedade era muito mais baixo do que os outros que rodeavam a quinta, e sendo assim tínhamos a possibilidade de acariciar as pontas dos dedos. Só éramos interrompidos pela passagem do sacristão da Igreja de Sª Luzia que passava ziguezagueando, muito alegre com os copos que bebera na tasca, nunca se esquecia de nos cumprimentar.
Anos mais tarde, a minha mãe construiu no terreno paralelo à travessa, uma casinha, onde fixei residência. E, curioso, exactamente no lugar onde eu namorei, está plantado
No meu jardim uma “árvore dos dentes”, que anualmente floresce a alegrar o muro onde outrora ouvira gorjeios de amor.
Séculos XX e XX1 – dos poios, das bananeiras surgiram prédios modernos de habitação. A Travessa de S. Luís já não serve para namorar.

Sem comentários: