terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Criadas Antigas


A JOSEFINA

Menina…
Vou ao encontro da criada antiga da minha avó, a Josefina da Encarnação, sobrenome este atribuído a todas as crianças abandonadas na roda da Santa Casa. Sempre trabalhou como empregada doméstica na nossa família, à qual passou a pertencer também. Com grande dedicação à minha avó a quem chamava “minha querida e santa senhora” esmerava-se no seu serviço, que, diga-se, era rigorosamente cronometrado cada minuto valorizado, horários exigentemente respeitados, por exemplo, o chá pontualmente às cinco horas (nem cinco minutos antes nem cinco minutos depois). A minha avó era escrava do relógio!!!
Josefina, uma figura inesquecível, vestia habitualmente saia rodada pelos tornozelos, avental quadriculado que a acompanhava quer no comprimento quer na largura. Adorava os seus gatos – o Ruca e o Januca – os quais, vendo-a sentada, aproveitavam o seu colo fofo para dormirem uma boa soneca. Que inveja isso me causava!
É que eles desprezavam os meus joelhos finos e magros cobertos apenas por um vesti dito curto.
A cozinha era o seu mundo. Estou a vê-la: grande… enorme, escura mal iluminada por janelas e portas de postigo. Ao centro uma mesa de “apóstolos”, ao fundo a lareira encimada pelo olho cego do forno do pão; o fogão de ferro, orgulhoso dos seus metais amarelos, sempre reluzentes e que quantas vezes encheu o ambiente de fumarada! A seu lado o pacato “cigano” que, coroado por uma chaleira também de ferro, era uma garantia de água quente ao longo do dia. Classifico-o como o tataravô da chaleira eléctrica. O grande pote de barro, actualmente com flores no meu jardim, mantinha sempre fresquinha a água para beber; a “gaiola” dependurada na zona mais fresca da cozinha era o frigorífico da época, pois aí eram guardadas as sobras das refeições.
A Josefina detestava a chuva e logo que pingavam do céu as primeiras “lágrimas” ela ia apressadamente para o quintal e aí ponha-se a rezar, de braços abertos, em alta voz com entoação e cadência:
-Santa Clara clareai…, Santa Luzia …alumiai.
Se não fosse atendida nas suas preces não desanimava e a cada ameaça de chuva repetiam-se sempre os seus pedidos. Aliás, era uma perita em rezas – para afugentar a chuva, contra o mau-olhado, para curar erzipela e outras coisas mais. Mas a que ela considerava mais eficaz era a oração de Santa Teresa, que operava verdadeiros milagres. Ainda hoje sei recitá-la:

Nestes empinos do céu
Um anjo se converteu
Em pedir esmola a Trezia
Trezia se compadeceu
Ao ver o seu pobre tão tarde
Sem ter nada de comida
ao refeitório tornava
ao refeitório tornou
o seu regaço encheu
ao seu pobre trazeu
Aqui tendes ó meu pobre
Que por isso Deus nos deu
E vos peço ó meu pobre
Que vinde aqui cada dia
q’eu vos quero favorecer
aqui nesta portaria.
O pobre por não faltar
Por quem há-de perguntar?
É por Trezia de Jesus
É por Jesus de Trezia
Que nos deu a d’vina alteza
Que nos eu a Santa Trezia.
Quem esta oração disser
Quer na terra
Quer no mar
Quer em caso de necessidade
É Jesus de Santa Trezia
Que nos vem acompanhar.
E, Santa Teresa lá no alto não levavas a mal tanta lenga-lenga recitada com muita fé e ingenuidade, e, tenho a certeza que acedeu a muitos pedidos da boa Josefina.

Olha!!!
Olha Josefina!!!
(Estou a rodar os ponteiros do relógio do tempo…2006…1940…1933…1932) a rarde está a cair, está na hora de encher o cigano, vamos ao barracão velho cheio de teias de aranha que sempre me amedrontaram, as sacas de farelo esperam lá por nós. Coloca o fogareiro a teu jeito, eu seguro firme os dois paus de lenha, em ângulo recto enquanto enches o espaço em seu redor com o farelo bem…bem calcado.
-Está cheio?
-Então tira os paus de lenha. Eu gosto de ver o espaço que estes vão deixar, espaço bem moldadinho que dará passagem ao calor tranquilo, que o pachorrento cigano nos dará dia fora…
O cheiro do farelo de pau, esse jamais o esquecerei!!!

Teresa Sarmento (recordação da minha infância)

Sem comentários: