terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Coctail


CONVÍVIO SOCIAL
Tal como as pedras do calhau são delapidadas, esfregadas, alisadas pelas marés, assim o tempo, os anos, nos vão moldando, modificando em vários aspectos. Quando eu era jovem adorava o convívio social, os preparativos, a toilete, a jóia a usar, mas actualmente, só na intimidade, no convívio de óptimas e sinceras amigas, eu não me sinto invadir por uma sensação de cansaço, de vazio, esse que eu deixo transparecer no texto abaixo:

COCTAIL
O cair da tarde é a hora por excelência para encontros de sociedade. Os diversos extractos sociais fazem-se representar por políticos reluzentes, rubicundos, altos dignitários da Igreja, logo rodeados por pias matronas, os diplomatas circunspectos que beijam religiosamente a mão às senhoras, os familiares, alguns caquécticos a sorrir complacentemente, já incapacitados para acompanhar os diálogos à sua volta, as amigas que se beijam esfusiantemente, etc…
…”olhai e vede como eles se amam”…
Retalhos de conversa à minha volta:
…é uma ofensiva arrogante contra os direitos e a cultura…
…é certo que as leis do ruído devem ser respeitados, mas é uma manifesta má vontade contra
as tradições da Igreja…
…a ineficiência da polícia permite que se agridam os transeuntes até com spray nos olhos…
…o bebé quando é esperado…
…estou a convalescer duma gripe pertinaz…

Lá fora, no jardim, o sol está a esconder-se por detrás das árvores, desinteressado de tanta futilidade e ao olhá-lo fugidio, lembro-me de outros fins de tarde em que as nuvens coradas de tanto brincar com o astro Rei se vão diluindo nas sombras do crepúsculo; de outras tardes
em que ouvia, à distância, os seminaristas a cantar as vésperas, na capela do antigo seminário, em tom ritmado; de outra tarde em que o Sol já mortiço, veio beber calor humano, brincar com as chávenas e os sobejos de um chá gostoso e iluminar os cabelos de um grupo de amigas que, à volta da mesa, me olhavam com sincera afeição.
Distraída com os meus pensamentos, partilhava da conversa com palavras vazias. A pouco e pouco começo a sentir os passinhos lentos da tarde a encaminhar-se para a noite, olho para o relógio, está na hora de elegantemente sair, mas é da praxe da família que os convivas assinem o Livro de Ouro, principiei a escrever o meu longo nome, lentamente, para amolar quem esperava pela sua vez,

MARIA TERESA DE MORAIS SARMENTO RODRIGUES HOMEM DE GOUVEIA,
feliz por não me chamar apenas Maria Gouveia.

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