terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Fé Ingenua


Maria de Jesus era a filha mais velha do caseiro das terras que sua madrinha possuia em Machico. Com dezasseis anos apenas, mas ‘deitara corpo’, esperta, viva, aprendera a ler e a escrever com facilidade e então a tabuada e as rezas, sabia-as na ponta da língua
O seu maior desejo era servir em casa alheia na cidade.
Não era sensível às belezas naturais da sua freguesia. O belo vale de Machico, para ela, era o corredor de entrada do vento, que no Inverno e não só, flagelava os habitantes de vila. A meia coroa de montanhas que a separava dum mundo, que adivinhava aliciante, parecia-lhe o muro de uma prisão difícil de escalar, apenas por sinuosos carreiros .O mar, sim, era uma esperança de um dia embarcar naquele trémulo vaporzinho que a libertaria duma vida sem expctativas.
O pai, numa das suas idas à cidade para fazer contas da colonia, desabafou com a comadre, quanto a vida lhe era difícil com a ‘catruzada’ de filhos que tinha! – se a senhora quisesse receber a Maria de Jesus, sua afilhada, seria um desafogo! –Por acaso ando à procura de uma rapariga para ajudar a Rosa (a cozinheira) que está ficando cansada. Traga a pequena.
E Maria de Jesus, apertada num vestido de chita, sapatos de solas de pneu, os lindos cabelos louros apertados numa impiedosa trança, à cabeça uma trouxa com os seus parcos haveres, chegou a casa da madrinha.

A casa era um mundo! O pátio de entrada com dois armários de portas de vidro, cheios de louças lindas, imponham respeito; subia-se uma escada: à direita um quarto de dormir, Maria de Jesus olhou para a cama enorme, lembrou-se da sua, onde à noite, se arrumavam três irmãos para passar a noite. Ladeando a cama, duas cadeiras de braços, com uma tampa ao meio???
(mais tarde veio a saber a utilidade das caixas de prever). Ao lado um quarto de vestir, para quê, interrogou-se?
A saleta, em frente, como a madrinha explicou era para receber as visitas. E o oratório, no quarto da menina, parecia uma capelinha, com tantos santos, velas e flores!
Rosa, a criada antiga, falou-lhe de toda a família: os padrinhos, a menina Leontina, a linda senhora velhinha que tinha a boca tão pequena que só comia com colher de chá, o senhor frade, que não era frade, mas vestia como frade – cruzes! Pensou Maria de Jesus, com aquelas barbas brancas parecia o Senhor Santo Antão!!!
E a pouco e pouco a criadita, foi-se habituando à família e ao serviço. Das suas obrigações o que mais a deliciava era limpar o oratório, tinha tantos santos lindos. Que santa seria aquela com um chaga na testa? Não a conhecia. – é Santa Rita de Cássia, advogada dos impossíveis, explicou-lhe a menina, se tu, Maria desejares um coisa muito difícil pede a Santa Rita que Ela vai-te ouvir.
Vivendo naquela familia, tão desafogada, Maria de Jesus foi reflectindo que com o seu ordenadito não chegaria a lado algum. Lembrou-se então de Santa Rita, essa era quem lhe poderia dar um ‘ror’ de dinheiro, para poder concretizar alguns dos seus sonhos. E antes de alindar o oratório, Maria de Jesus passou a rezar devotamente á frente da sua advogada dos impossíveis. Não passou desapercebida tanta devoção e Leontina , um dia perguntou-lhe – Maria, o que estás a pedir a Santa Rita com tanto fervor? – Menina, estou a pedir-lhe dez contos (que para a época era uma boa maquia). E multiplicavam-se as rezas. Inexplicavelmente as orações fervorosas tiveram fim. Admirada com esta mudança de atitude, a menina teve curiosidade de saber a razão de tal desinteresse. –Então, Maria de Jesus já não rezas a Santa Rita? –Oh, menina, eu deixei a santa em paz, o que ela não se agoniava, eu a pedir-lhe dez contos e ela sem ter para mos dar!!! Já não a atento mais.

E a vida continuou, Maria de Jesus cumprindo bem as suas obrigações, agradável, amiga de todos. Passados alguns anos, Leontina, muito devota, tomou a decisão de seguir a vida religiosa
e…antes de partir para o convento, ofereceu a Maria de Jesus um poio de inhames situado na ribeira de Machico, cujo valor excedeu os dez contos que ela tanto implorara aos céus.

Foi de uma maneira prática que Santa Rita correspondeu a um pedido tão oneroso.

Maria80

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