terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O MEU VIZINHO JOÃO


Ao regar o meu jardim tive a infelicidade de dar uma grave entorse que me obrigou a caminhar de canadiana e mesmo com esta ajuda, claudicava muito.
O meu vizinho João ao ver-me passar neste estado, mandou à minha casa a sua esposa, figura gorda e bem enfeitada com ouro, para oferecer os seus préstimos, porque “somos uns para os outros”.
Como recusar este espírito de solidariedade?
Aceitando o “tratamento de aberto” tão generosamente oferecido.
Assim, todas as manhãs, nove dias “a reio” passou o meu vizinho a visitar-me com um sorriso nos lábios deixando entrever dois a três dentes de ouro; num dos dedos usava um anel de aço contra “o ar que passa”.
Recebia-o na minha sala cujas paredes estremeciam com o teor das nossas conversas.
Uma vez instalados nos maples, estendia na sua direcção o pé doente, ele, pegando num novelo de lã e numa agulha grossa, começava por perguntar-me: - Eu o que curo? Ao que eu tinha que responder, sem errar – carne quebrada, aberta ou “dementida”. Ao mesmo tempo que ele cosia o novelo, recitava religiosamente a seguinte oração: é isso mesmo que eu curo, se é carne quebrada volta à tua casa, se é “dementida” torna à tua vida, se é nervo torto toma o teu soldo, assim como neste novelo coso. Sant’Ana pariu Maria, Maria pariu Jesus, assim como esta é a verdade assim soldes tu; vai-te com o SSS Sacramento o mal para fora o bem para dentro. Cuidado com esta frase, porque se é dita ao contrário não há cura.
Terminado o “tratamento” seguia-se um diálogo ameno. Recordo encantada as conversas com este homem, figura de emigrante que voltou ás suas origens são e incorrupto como saíra. Como trabalha nas suas terras o assunto incidia especialmente sobre o cultivo das semilhas, couves, etc. Geralmente o jardim em frente à minha casa era regado pela manhã
e o ruído da água dava ao ambiente um clima campestre. – Sr. João, perguntei-lhe um dia, acha que eu tenho mau olhado? Ele olhou seriamente para mim por uns segundos, - não, não tem, se tivesse eu ficava com os olhos rasos de água. Sabe a Sra. Professora (é assim que ele me trata) há gente que não pode ver nada. Eu tinha uma abóbora dum tamanhão, num corredor, lá em S. Vicente, um vizinho de mau olhado disse-me: vou deitar a abóbora ao chão, e deitou mesmo! Fui-lhe às ventas, dei-lhe uma estalada.!!!
-Sr. João, como vai a sua esposa? – Ela agora está boa, passou-lhe uma “ponta d’ar”, mas eu curei-a. – O Sr. João também cura “d’ar”? Ah sim, respondeu-me ele, e passou a recitar:
Jesus Cristo foi nascido, na Divina Encarnação tirai o ar e o frio de cima deste cristão; ar frio vai pr’a serra, ar frio vai pr’ao mar, não oiças nem galo nem galinha cantar.
Eu ficava como que hipnotizada neste ambiente de magia. – Sra. Professora tenha cuidado com o sol na cabeça, fica-se muito esquecidos! Mas se for preciso eu também sei curar. Nove dias “a reio”, tapa-se a cabeça com uma toalha de linho com cinco grãos de trigo e diz-se assim: a Sra. Santa Iria pelo mar ia curando o seu filho, do sol, da calmaria, encontrou a Virgem Maria que lhe perguntaria como curaria com alva branca e um vidro de água fria; vai-te com o nome de Deus e da Virgem Maria.
Por vezes eram os cães vadios da minha rua que ao ladrar me arrancavam do encantamento
causado pelas conversas do Sr. João, então “acordava” e dizia-lhe amigávelmente – Muito obrigada vizinho, até amanhã se Deus quiser.
Como a minha saúde está garantida com este ingénuo e bondoso amigo!!!
Observação: a cura d’aberto é compatível com fisioterapia.
Maria 80

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